Chilenos homenageiam compositor covardemente assassinado na era Pinochet
Christian Palma
Deu no Página 12 de 4,12,2099
Em um mítico galpão batizado com o nome do poeta cantor, as pessoas estavam em fila. Uns deixavam uma flor, um poema, uma foto. Outros cantarolavam o estribilho de "El derecho de vivir en paz".
Não se vêem ataques de histeria, nem meninas arrancando-se o cabelo ou gritando até ficar afônicas. Pelo contrário. É que aquele do qual vão se despedir não é um rockstar nem uma figura da televisão. Trata-se de Víctor Jara, o poeta cantor chileno, que dedicou sua obra aos trabalhadores, ao pobre... ao povo e que, desde quinta-feira, está sendo velado pela primeira vez de forma massiva após seu assassinato pelas mãos dos militares, em setembro de 1973.
Por isso mesmo, no mítico galpão batizado com o nome do cantautor e que serve de marco para a cerimônia fúnebre, não há espaço para o pranto, para a pena ou para as caras tristes. Desde esta quinta-feira e até este sábado, o lugar – localizado na central Praça Brasil de Santiago – será o cenário de uma grande festa popular. E como Jara gostava, com cantores de rua, vendedores ambulantes, poetas populares e tudo o que existe de personagens nos quais ele se inspirou na hora de compor suas canções reconhecidas no mundo inteiro. Assim, o funeral do cantautor deixou claro que seu legado permanece incólume.
Sim, porque os mais de 30 graus desta quinta-feira na sombra registrados nessa capital não foram obstáculo para que centenas de pessoas chegassem para prestar esse último adeus. O caixão de cor café – envolto em um poncho preto com detalhes de cor sangue, camisas amaranto e cravos vermelhos – está imponente no meio da sala. De fundo, sua música e um mural desenhado na parede, feito por artistas da combativa Brigada Ramona Parra.
Aí estão as pessoas em fila. Com calma, pouco a pouco, se aproximam, dão a volta no caixão. Uns deixam uma flor, um poema, uma foto. Outros cantarolam o estribilho de "El derecho de vivir en paz". Alguns se reconhecem. Volta o aperto de mãos ao amigo esquecido no tempo e que renasce hoje no meio do coro de "Te recuero Amanda". Vão de mãos dadas com seus filhos, seus netos, os mais velhos com cabelos grisalhos, os menos velhos com camisetas com o rosto do artista. Agora, cantam sem medo: "Aprieto firme mi mano y hundo el arado en la tierra, hace años que llevo en ella, ¿cómo no estar agotao?".
E assim vai se repetindo o quadro até sábado, quando seu corpo regressar em um caravana multicolor para o Cemitério Geral.
A festa é simples. Com vinho tinto e empanadas. De fato, uma de suas filhas, Manuela, dispôs que não se mudasse o caixão no qual Jara foi sepultado na clandestinidade por Joan Turner, sua esposa, que ontem liderou a primeira guarda de honra diante do caixão.
E as pessoas continuam chegando. Não param. Após a última saudação, muitos cruzam a Praça Brasil. Há música, um palco para bandas novas e outras clássicas. Todos cantam ao mestre. Correm as cervejas, o vinho de caixa. O cheiro de maconha é generoso. Os policiais olham, não se metem, não censuram, não reprimem. Já se passaram 20 anos desde que acabou a ditadura Pinochet. Agora, contagiam-se de alegria. Riem. Até se tornam cúmplices da festa. Quem diria?
Por aí também se vê um dos irmãos Parra, atores, pintores, cineastas, anônimos deixando sua assinatura no livro de condolências. Até a ministra da Cultura de Michelle Bachelet, Paulina Urrutia, se coloca na guarda de honra. Há choro, mas de emoção.
Juana Fe sobe no palco. Enquanto isso, aparecem pessoas de Inti Illimani, Santiago del Nuevo Extremo, do Sindicato de Cantautores Urbanos de Santiago, Tierra de Hoja e o Coletivo Agosto Negro, entre outros. Todos artistas que enfrentaram a ditadura com poesia.
O sol segue ardendo, e os rostos vão mudando, mas não a atmosfera, cheia de cheiros e tonalidades alegres. As pessoas não querem ir para casa. Que a festa continue: "Grande Víctor Jara".
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
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