PL-29, o que se deve saber
"O capital privado tende a ficar concentrado em algumas mãos em parte por motivo de competição entre os capitalistas e em parte porque o desenvolvimento tecnológico e a divisão do trabalho, em crescimento, estimula a formação de unidades maiores de produção às custas das menores.
O resultado deste desenvolvimento é uma oligarquia de capital privado cujo enorme poder não pode ser efetivamente controlado nem mesmo por uma sociedade política democraticamente organizada. Sobretudo, nas condições existentes, os capitalistas controlam inevitavelmente, direta ou indiretamente, as fontes principais de informação (imprensa, rádio, educação). Assim, é extremamente difícil, e na verdade impossível na maioria dos casos, para o cidadão individual tirar conclusões objetivas e fazer uso inteligente de seus direitos políticos"- Albert Einstein
Carlos Alberto de Almeida
Um gravíssimo golpe contra a soberania nacional está sendo preparado por meio do Projeto de Lei 29, relatado pelo deputado Jorge Bittar. A pretexto de criar novas regras para a tv por assinatura no Brasil, na realidade transfere o controle do setor para um reduzido grupo de poderosos conglomerados de telecomunicações (Telefônica, Telmex e Sky), abrindo espaço para um verdadeiro esmagamento da produção audiovisual brasileira, para a inviabilização completa das tvs comunitárias e universitárias, e, em futuro breve, para o controle total da tv aberta por transnacionais da comunicação. Sim, novas regras: os poucos oligopólios externos assumem o controle!
O lado triste e emblemático de tudo isto é que a manobra dos oligopólios estrangeiros da telefonia para dominar a tv brasileira ocorre no exato momento em que a AMAR (Associação dos Músicos Arranjadores e Regentes do Brasil) denuncia que o samba amaxixado Pelo Telefone, do genial Donga, o primeiro samba gravado no Brasil, teve sua autoria transferida para editora musical dos EUA que comprou arquivos de editora nacional, sendo registrada como se fora canção norte-americana.
Esta verdadeira ofensiva de ocupação do audiovisual brasileiro, em continuidade à desnacionalização iniciada com a introdução da cabodifusão no Brasil, ocorre em meio a crescente processo de oligopolização do setor de comunicação e telecomunicação mundialmente, sem que o texto do PL 29 estabeleça qualquer mecanismo de proteção aos produtores nacionais, aos produtores independentes.
Além disso, o relator rejeitou ainda todas as sugestões para o fortalecimento das tvs comunitárias e universitárias para assegurar pluralidade e diversidade informativas. O resultado é previsível: controle da tv brasileira por conglomerados de comunicação-telecomunicação estrangeiros, hoje empenhados mundialmente na prática de formas sofisticadas de desestabilização de governos populares e nacionalistas, quando não na promoção de terrorismo midiático, como foi a operação destes impérios comunicacionais para justificar a ocupação militar do Iraque e do Afeganistão. São estas empresas que passarão a controlar totalmente a tv brasileira. O inacreditável é que os defensores do PL 29 acreditam que as mudanças, trazendo novos atores para o mercado, irão democratizar e popularizar o setor de tv por assinatura.
O apartheid audiovisual
Um rápido balanço sobre a cabodifusão no Brasil hoje já permite compreender que as novas regras trazidas pelo PL 29 simplesmente iriam concentrar e internacionalizar ainda mais a tv por assinatura no Brasil. Segundo a Ancine, 99,5 por cento dos filmes exibidos na tv paga brasileira são estrangeiros, esmagando a produção nacional. O Brasil possui a tv por assinatura mais cara do mundo, e com o maior tempo dedicado a publicidade, o que se configura em dupla-cobrança sobre o assinante que já havia pago também para livrar-se do dilúvio publicitário consumista-imbecilizante, que, na tv por assinatura, é ainda mais volumoso que na tv aberta.
No caso dos canais estatais (tvs do legislativo, do judiciário e do executivo) sua exibição na tv paga se constitui em aberrante bi-tributação, já que é com o dinheiro do contribuinte que elas são mantidas, mas, para ter acesso a elas, é preciso pagar novamente. Não admira que a tv paga no Brasil seja um fracasso de público, sem esquecer que a esmagadora maioria dos assinantes tem preferência pelos canais de tv aberta que são exibidos na tv por assinatura. É assombroso que ainda há os que chamam este verdadeiro apartheid audiovisual de democratização. Para quem, cara-pálida?
Trata-se na verdade de uma clamorosa injustiça para com o povo brasileiro que sustenta com verbas públicas estes canais por assinatura, mas é impedido de assistí-los. Enfim, é uma tv para poucos, mas paga com o dinheiro de muitos, que não têm acesso a esta tv, assim como não têm acesso a cinema, muito menos ao cinema brasileiro, praticamente clandestino no Brasil, a julgar pelos dados da Ancine e também os do IBGE apontando que apenas 8 por cento dos municípios brasileiros possuem salas de cinema, freqüentadas por apenas 12 por cento dos brasileiros, que, aos poucos, vão se tornando analfabetos cinematográficos.
Cotas? Quê cotas? Quero o Brasil na TV!
Os debates em torno do PL 29 são primorosos para revelar quem é quem nesta luta pela democratização da comunicação no país. A maioria se distraiu num debate bizantino, pois na verdade estamos diante de uma operação do poder mundial do capital para ocupar um setor estratégico num país que tem riquezas estratégicas, seja petróleo, seja o potencial de energia renovável, sejam os minerais escassos em outras partes do planeta, seja a poderosa biodiversidade amazônica, cobiçada pelos oligopólios transnacionais da indústria químico-farmacêutica, todos estes atores que operam poderosamente no controle do fluxo mundial da informação, seja por meio da produção de conteúdos e/ou das estruturas de difusão, ou através da publicidade.
Num Brasil que nem mesmo empresa nacional de satélite possui mais - os brasileiros estão convocados inapelavelmente a examinar a ameaça que significa, no mundo atual, um país do porte do nosso não possuir soberania sobre seus satélites - há os que imaginam ser possível entregar o comando da propriedade e da produção televisivos e, ao mesmo tempo, acreditar , candidamente, na eficácia de algum milagroso tipo de cotas para a produção nacional.
Mesmo sabendo que ingenuidade tem limites, o deputado Jorge Bittar, em resposta a artigo da Revista Veja, elimina todas as possibilidades para dúvidas e para essas ilusões quando afirma que o PL29 prevê apenas 10 por cento de cotas para a produção nacional, buscando tranqüilizar o oligopólio que já controla a TVA e, caso ocorra a aprovação do projeto, terá permissão legal de controlar muito mais da tv brasileira. Ou seja, nestas cotas, o Brasil está fora! Fica mais claro entender porque muitos dos que atuam no movimento pela democratização da comunicação silenciaram ruidosamente quando o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros, denunciou a irregularidade no controle acionário sobre a TVA e pediu a instalação de uma CPI da Abril, até hoje engavetada.
A comparação feita pelos defensores do PL29 com o regime de cotas para a produção nacional e a independente em outros países é imprópria. A França, que é um grande país capitalista, que já realizou seu processo de acumulação de capital por meio do impiedoso colonialismo, que possui mercado interno desenvolvido, mesmo assim não se dá ao luxo de não ter alavancas estatais protetores para a sua produção audiovisual frente à devastadora avalanche de ocupação do audiovisual produzido por Hollywood.
Mas, aqui, os defensores do PL29, ou mesmo aqueles que no chamado movimento de democratização da comunicação estão paralisados diante de um grave golpe contra a soberania nacional - porque calculam que a entrada de novos atores tem sentido democratizante - terminam por serem coadjuvantes passivos deste processo de internacionalização e concentração de poderes sobre a tv brasileira por empresas estrangeiras, cujo resultado será rigorosamente nefasto para a produção televisiva nacional, como já se constata na realidade da cabodifusão hoje.
Não há marco regulatório público em estado fraco
Não é de hoje que instalados nos ambientes acadêmicos ou mesmo nos movimentos sociais e sindicais, repetidores destas teorias propagadas nos países centrais do capitalismo articulam suas ações sempre em sintonia com os interesses dos oligopólios que vão impondo o seu verdadeiro marco regulatório, o do mercado cartelizado, aproveitando-se da debilidade do poder público e da ausência de ações mais efetivas do estado em defesa da soberania audiovisual.
Argumentam que é indiferente a natureza da propriedade para se conseguir a democratização da comunicação desde que exista marco regulatório, e já insinuam que o capítulo da Comunicação Social na Constituição deve ser re-escrito, não para regulamentar a ação do estado para coibir o monopólio e o oligopólio, ou para garantir a regionalização, a pluralidade e a diversidade audiovisuais, mas para desregulamentar ainda mais, em favor, obviamente, de uma regulamentação de fato, que é o controle oligopólico do mercado, impondo suas regras, até mesmo sobre a Constituição de um país. O que chama atenção é os que acenam com a bandeira da democratização da comunicação, não apenas torcem para a entrada de novos atores - frase que esconde elegantemente a transferência do controle da tv por assinatura para três conglomerados - como revelam que trabalham profissionalmente para que isto ocorra, em prejuízo dos interesses nacionais.
Para comprovar a tese de que não pode haver marco regulatório público com estado demolido ou raquítico, basta comparar com o ocorrido no setor de telecomunicações no Brasil após esta entrada de novos atores, verdadeira internacionalização do setor: a economia popular foi assaltada por taxas extorsivas nos serviços de telefonia, todo um investimento feito no passado com a poupança pública foi alienada para empresas estrangeiras, a produção de tecnologia nacional foi esmagada, nossos centros de excelência tecnológicos desbaratados sem que tivesse havido uma ocupação militar como no Iraque e nossos engenheiros formados com recursos do contribuinte hoje se encontram desempregados ou transformados em bordadeiras eletrônicas, ocupando-se de montar a parafusar os celulares que estavam estocados nos países centrais do capitalismo. O Brasil exportava equipamentos de telefonia, hoje importa tudo, e cresce a exportação de produtos primários.
Para onde foram as cotas de produção nacional? Trata-se ou não de uma operação de ocupação produtiva, de destruição da produção nacional, ocupação do mercado, operações que no Iraque são feitas por manu militari , mas que aqui, contam com a cooperação dos acadêmicos e por setores do movimento de democratização da comunicação que, aliás, escrevem a favor desta internacionalização e são remunerados para isto? Será que se pode levar a sério que o audiovisual nacional será fortalecido com a ocupação dos oligopólios estrangeiros no setor?
Perigosa ocupação externa
Se compararmos o que pode acontecer na produção de energia renovável caso o estado não crie um instrumento para a sua ação estratégica no setor, uma empresa estatal de energia renovável, única forma de impedir a devastadora ocupação do território brasileiro por bilionários como Bill Gates, George Soros, Mitsubish e outros, transformando o Brasil numa plantation, arrasando com a biodiversidade, ficará mais claro entender que, no caso do PL29, estamos diante de uma operação de guerra para o controle total da tv brasileira por núcleos estratégicos do poder imperialista. Alguns acham que esta internacionalização oligopólica poderá trazer mais democracia, mais pluralidade, mais produção nacional. Ou seja, acreditam que Robert Murdoch, Slim e Telefônica, tão empenhados vocalizar ameaças ao Irã, em propagandear a ocupação e a rapina sobre o Iraque e o Afeganistão, em desestabilizar a Venezuela, em balcanizar a Bolívia, em fomentar uma guerra entre Colômbia , Equador e Venezuela, poderão colaborar para o aperfeiçoamento da democracia televisiva brasileira. Assim como há os que acreditam que os novos colonizadores vão investir na tv brasileira e não rapinar nossos recursos, vetando a produção nacional, tal como fizeram no setor fonográfico. Neste, as multinacionais do disco começaram gravando todo o tesouro da música popular brasileira, assim penetraram no mercado nacional.
Depois, mostraram suas garras: hoje nossos grandes talentos musicais estão em gravadoras independentes, que produzem 70 por cento da música nacional, mas têm apenas 8 por cento do espaço de difusão no rádio e tv, enquanto que os oligopólios, impondo uma ditadura do mau-gosto, gravam apenas 9 por cento da enorme diversidade musical brasileira, mas controlam um latifúndio de 90 por cento do espaço de difusão em rádio e tv. Ou seja, a oligopolização e internacionalização arruínam com a diversidade musical brasileira, impondo a uma tirania do muito mais do mesmo, tal como já ocorre na tv por assinatura, agora ameaçada de uma over-dose desta tirania, como passo para o controle também da tv aberta brasileira.
Mas, entre os que atuam na democratização da mídia, há a crença que mais oligopólio e mais desnacionalização podem trazer democracia e fortalecimento do audiovisual nacional. Reforçando os argumentos imperiais, os EUA anunciam a reativação da Quarta Frota Naval para a América Latina........
Só está cândida credulidade - apesar das estatísticas acachapantes - já nos dá uma idéia do grau de profundidade com que as idéias colonizadoras foram semeadas por aqui. O que também nos dá a clara idéia clara da gritante necessidade de uma campanha em defesa do audiovisual brasileiro, do estabelecimento de cotas de no mínimo 50 por cento para a produção nacional, de mecanismos público-estatais para garantir da diversidade e pluralidade na televisão brasileira, por meio de instrumentos que democratizem os recursos públicos hoje controlados por esta bilionária tirania do mercado televisivo, redirecionando-os criteriosamente para as tvs comunitárias e universitárias, permitindo sua massificação e elevação qualitativa, para programas de popularização da leitura de jornais e revistas, para a disseminação massiva e gratuita de tele-centros públicos de acesso à internet. Ou seja, é urgente fortalecer e reerguer o estado demolido no setor de comunicação, única forma de barrar a ocupação estrangeira e a imposição de uma ilimitada tirania de mercado.
A gravidade desta ofensiva do grande capital internacional teleinformativo para ocupar a tv brasileira merece uma discussão muito mais aprofundada por parte do Congresso Nacional, inclusive da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, mas também do próprio do próprio Ministério da Defesa, e até mesmo do Conselho da República pois, basta ligar a tv para ver que a questão engloba também ameaças à soberania nacional. Trata-se de decidir agora se a tv brasileira deve ser ainda mais controlada pelos que comandam grandes ações internacionais neo-colonizadoras, como querem segmentos que confundem obediência à lógica concentradora do mercado com democratização, ou se devemos , ao contrário, pensar e implementar uma linha de mais nacionalização de nossa tv, sintonizá-la finalmente com a nossa Constituição, fortalecendo a presença do poder público no setor, protegendo e revitalizando o nosso audiovisual, tal como no exemplo dado pelo Presidente Lula ao criar a TV Brasil? Seremos ou não capazes de honrar a brasilidade genial do Donga?
(*) Presidente da TV Comunitária de Brasília
terça-feira, 22 de dezembro de 2009
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