Jornalista pernambucano alerta profissionais de imprensa
Ruy Sarinho *
Final da manhã de um domingo. Agosto estava indo embora e setembro só querendo começar. O ano era de 2000 ou 2001, por aí. A jovem voltava da poluída praia do Bairro Novo, pela Rua Alberto Lundgren. A uns duzentos metros de sua casa, foi atacada por dois meninotes, daqueles adolescentes antigamente chamados de ratos de praia. Eles iam ao mar na intenção de levar alguma coisa para casa, como na instigante e poética música de Chico Buarque de Holanda: “Meu Guri”.
Os dois “perigosos bandidos”, desarmados, tomaram-lhe o celular, talvez alguns trocados que ela levasse na carteirinha e a agrediram com uma tapa no rosto. Apavorada, os gritos da menina atraíram os vizinhos do local e quem passava. Rapidamente, os gatunos foram pegos. Acionada pelo 190, a Polícia Militar chegava logo a seguir.
Depois de umas tapas e porradas pra cá, e cascudos pra lá, dados pelas pessoas revoltadas e, talvez, também pelos policiais, esses iniciaram uma conversa sinuosa, sussurrando nos ouvidos de alguns, mais ou menos assim: “olha, a gente já está largando do serviço... e se levar esses dois para delegacia, amanhã eles já estão de novo na rua, apavorando todo mundo. Agora, se tiver R$ 10,00 para os confeitos”... Logo, logo, um zeloso comerciante que tinha seu negócio na área providenciou a verba sugerida.
No outro dia, a jovem assaltada e sua família entraram em pânico ao verem na capa da Folha de Pernambuco, que nessa época já escorria sangue por suas primeiras linhas, a foto dos dois meninos mortos, corpos estendidos no chão. A manchete dava conta de que devia ter sido uma briga de gangues ou disputa pelo tráfico de drogas. O pai da jovem levantou o muro da casa simples em que vivia com a família para mais de três metros de altura, temendo que mais violência pudesse chegar à sua porta.
Mas a sociedade estava tranqüila. Dois “perigosíssimos bandidos, duas almas sebosas”, como se diz no rádio, estavam eliminados.
Enquanto isso, todos os dias, de segunda-feira a segunda-feira, os adolescentes e jovens classe média do Bairro Novo, viciados em droga, faziam do espaço comercial desse cidadão o ponto de encontro para receberem a maconha e, talvez, drogas mais pesadas para irem fumar no lado leste da Praça Vitoriano Regueira, ou melhor, da Praça da Maconha. Quase sempre, sob as vistas complacentes dos PMs que ficavam periodicamente no PPO do lado oeste da Praça, sempre abandonada pela Prefeitura de Olinda.
E aí fica a pergunta: Quem eram os mais perigosos? Aqueles dois meninos executados ou os jovenzinhos, filhinhos de papai, que se reuniam no espaço comercial daquele cidadão e que, com o uso da droga, financiam o tráfico e o crime organizado que cresce a cada dia, em Olinda, e no País?
Olinda é a terceira cidade do Brasil em matança, isto mesmo, execução de jovens, de adolescentes e até de crianças de 10, 11, 12 anos de idade, rotuladas como “irrecuperáveis”.
Estou contando essa historinha, engasgada há tempo no teclado do computador, para convocar os meus colegas jornalistas da imprensa pernambucana, dos jornais, rádios, televisões, blogs e outros veículos, a contribuírem com o Pacto Pela Vida. E de uma maneira simples, mas profissional.
É o seguinte: Não engulam mais, candidamente, a primeira versão que chega, todos os dias, das delegacias, quando os meninos e jovens das nossas periferias são encontrados mortos, mutilados; de que foi mais um acerto de contas entre gangues ou disputa pelo tráfico de drogas. Busquem outras fontes, outras versões.
Colegas, do jeito que a nossa imprensa se comporta, está contribuindo para um pacto coberto pela omissão, um Pacto Pela Morte, com execuções diárias de crianças, adolescentes e jovens.
Abandonados, por tudo e por todos.
A justificativa para esses crimes soa como uma sentença de morte, mas, que dá muito ibope no rádio e até na televisão: “Eram almas sebosas”!
Serão mesmo?
(*) Jornalista
sábado, 19 de dezembro de 2009
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