Melhor não ter nenhum acordo em Copenhagen do que um que signifique uma catástrofe.
A única oferta na mesa em Copenhagen seria condenar o mundo em desenvolvimento a perpétua pobreza e sofrimento
deu no Guardian.co.uk, 17 de dezembro de 2009
Naomi Klein
No nono dia da conferencia sobre o clima em Copenhagen a África foi sacrificada. A posição do bloco de negociação do G77, incluindo os estados Africanos, foi clara: um aumento de 2 ° C na temperatura média global se traduz em 3-3,5°C para a África. Isso significa, segundo a Aliança Pan-africana por Justiça Climática [em inglês: Pan African Climate Justice Alliance], "que 55 milhões de pessoas a mais poderiam estar em risco de passar fome”, e “pressões relacionadas à água poderiam afetar entre 350 e 600 milhões pessoas".
O arcebispo Desmond Tutu diz: “Estamos diante de um desastre iminente em escala monstruosa … O objetivo global de aproximadamente 2°C significa condenar a África a incineração e nenhum desenvolvimento moderno.”
Mesmo assim, isso é exatamente o que o primeiro ministro da Etiópia, Meles Zenawi, se propôs a fazer na sua escala em Paris a caminho de Copenhagen: ao lado do Presidente Nicolas Sarkozy, afirmando falar por toda a África (ele é o chefe do grupo Africano de negociação do clima), revelou um plano que inclui o temido aumento de 2°C e oferece aos países em desenvolvimento apenas $10bilhões ao ano para ajudar a pagar por tudo que se relaciona ao clima, desde muros no mar até tratamento de malária e a luta contra o desmatamento.
É difícil acreditar que esse é o mesmo homem que há apenas três meses estava dizendo o seguinte: “iremos usar nossos números para deslegitimar qualquer acordo que não seja consistente com a nossa posição mínima... Se necessário, estamos preparados a nos retirarmos de qualquer negociação que ameace ser outro estupro ao nosso continente... O que não estamos preparados a aceitar é o aquecimento global acima do nível evitável mínimo.” E isso: “iremos participar nas próximas negociações não suplicando para defender o nosso caso mas sim como negociadores que defendem as nossas visões e interesses.”
Ainda não sabemos exatamente o que Zenawi recebeu em troca de uma mudança tão radical no seu tom ou como, exatamente se vai de uma posição exigindo $400bilhões de dólares por ano em financiamento (a posição do grupo africano) para um mero $10bilhões de dólares. Analogamente, não sabemos o que aconteceu quando a secretária de estado Hillary Clinton se encontrou dom o presidente Filipino Gloria Arroyo apenas algumas semanas antes da conferencia e repentinamente a mais dura negociadora Filipina foi retirada de sua delegação e o país, que vinha exigindo cortes profundos no mundo rico, repentinamente entrou na linha.
Sabemos sim, ao testemunhar uma série desses rostos sorridentes, que as potencias do G8 estão dispostas a fazer qualquer coisa para chegar a um acordo em Copenhagen. Essa urgência não flui de um desejo ardente de evitar uma mudança climática cataclísmica, já que os negociadores sabem muito bem que os cortes insignificantes nas emissões que estão propondo são uma garantia de que as temperaturas irão subir os dantescos 3,9° C, como afirma Bill McKibben.
Matthew Stilwell do Instituto de Governança e Desenvolvimento de Sustentabilidade [em inglês: Institute for Governance and Sustainable Development]– um dos mais influentes orientadores nessas discussões – diz que as negociações não estão voltadas a realmente evitar a mudança climática e são na verdade um campo de batalha sobre um recurso profundamente valioso: o direito ao céu. Há um limite limitado de carbono que pode ser emitido na atmosfera. Se os países ricos fracassarem em reduzir drasticamente as suas emissões, eles estão ativamente devorando a parcela insuficiente disponível para o sul. O que esta em jogo, argumenta Stilwell, não é nada menos do que a “importância do compartilhamento do céu”. A Europa, ele diz, entende muito bem quanto dinheiro pode ser ganho com o comércio de carbono, já que usa esse mecanismo há anos.
Os países em desenvolvimento, por outro lado, nunca lidaram com restrições de carbono, portanto muitos governos não entendem o que estão perdendo. Comparados os $1.2 trilhões de dólares ao ano, segundo o eminente economista britânico Nicholas Stern - com os insignificantes $10bilhões de dólares na mesa para os países em desenvolvimento , nos próximos três anos, Stilwell afirma que os países ricos estão tentando trocar “miçangas e cobertores por Manhattan”. Ele acrescenta: “Esse é um momento colonial. Por isso nenhuma pedra ficou encoberta para conseguir que os chefes de Estado viessem aqui para assinar esse tipo de acordo... E não tem volta. O último recurso sem dono acaba de ser dividido e distribuído entre os ricos.”
Por meses agora ONGs estavam por trás da mensagem de que o objetivo de Copenhagen “era selar o acordo”. Em toda parte no Bella Centre, os relógios estão rodando. Mas não é suficiente apenas um acordo, qualquer acordo, principalmente por que o único acordo oferecido não irá resolver a crise climática e pode piorar muito as coisas, amarrando indefinidamente as atuais desigualdades entre norte e o sul.
Augustine Njamnshi da Aliança Pan-africana por Justiça Climática explica a proposta de 2°C de forma muito crua: “Você não pode dizer que esta propondo a ‘solução’ para a mudança climática se a sua solução irá causar a morte de milhões de Africanos e se serão os pobres, não os poluidores, que irão continuar a pagar pela mudança climática.”
Stilwell diz que um acordo errado iria “amarrar uma abordagem errada até 2020” – muito além da data de limite para o pico de emissões. Mas ele insiste que não é muito tarde para se evitar uma tragédia maior. “Eu prefiro esperar seis meses ou um ano e fazer a coisa certa, por que a ciência esta se desenvolvendo, a vontade política esta crescendo, a compreensão da sociedade civil e comunidades afetadas esta crescendo, e eles estarão prontos a pressionar os seus líderes a assinarem o tipo de acordo certo.”
No início dessa negociação a mera noção de um adiamento era uma heresia ambiental. Mas agora muitos estão vendo o valor de se diminuir a pressa e de fazer a coisa certa. Mais significativo, após descrever o que significariam 2°C para África, o arcebispo Tuto pronunciou que é “melhor não se chegar a nenhum acordo, do que se assinar um mau acordo”. Isso com certeza seria um desastre político para alguns chefes de estado – mas poderia ser a última chance de se evitar um desastre real para todos os
demais.
sábado, 19 de dezembro de 2009
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