Ameaças se confirmadas revelam que Brasil ainda está muito atrasado em matéria de passar a limpo o passado
Mário Augusto Jakobskind
A se confirmar as informações segundo as quais o Ministro da Defesa, Nelson Jobim e os comandantes do Exército, Marinha e Aeronáutica ameaçaram colocar os respectivos cargos a disposição em resposta à criação de uma comissão de Verdade e Justiça, que teria entre outras funções a de investigar torturas e desaparecimentos ocorridos durante a ditadura civil militar que vigorou no país de 1964 a 1985, revela que o Brasil nesta área está muito atrasado.
Em outras nações do Cone Sul, leis que impediam as investigações e julgamentos de responsáveis por crimes contra a humanidade, como os cometidos naquele período, foram revogadas. Na Argentina, no Chile, no Uruguai e Paraguai vários militares e civis estão sendo julgados por inúmeros assassinatos e violações dos direitos humanos. Por lá o processo democrático avançou.
Há 20 anos, por exemplo, no Uruguai e na Argentina, alguns analistas diziam que se fossem abertos processos contra os agentes do Estado que cometeram atrocidades, o regime democrático correria perigo. No início a chantagem funcionou. Tanto que Carlos Menem concedeu anistia aos acusados de crimes contra a humanidade. No Uruguai foi a mesma coisa, mas hoje os ventos sopram de forma diferente.
Pois bem, neste momento até ex-presidentes de fato, como o general uruguaio Gregório Alvarez, cumprem pena de 25 anos por assassinatos em âmbito da Operação Condor, a aliança dos regimes militares do Brasil, Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai e Bolívia.
Na Argentina, mais de 80 militares e outros agentes do Estado estão sendo julgados por crimes hediondos cometidos naquele período. O ex-presidente de fato, Rafael Videla, está em prisão domiciliar por responsabilidade em seqüestros de crianças filhos de presos políticos para serem adotadas por famílias que tinham algum tipo de vínculo com a ditadura.
A extrema direita saudosa da prática de torturas faz ameaças, mas o avanço da democracia nestes países neutralizou o setor. A Presidente Cristina Kirchner não cede as ameaças, mesmo a do tipo que tentou interferir na integridade de um vôo de helicóptero que a conduzia.
No Brasil, os saudosistas ainda circulam, alguns deles sem assumirem os crimes que cometeram, e também fazem ameaças. Falam em revanchismo, termo que não se aplica, porque ninguém pensa em fazer o mesmo que eles fizeram ao longo da noite escura que se abateu sobre o Brasil. Ou seja, não passa pela cabeça de ninguém que defende passar a limpo o passado torturar ou matar quem pensa de forma diferente e mesmo quem violou os direitos humanos.
Nelson Jobim e os três comandantes militares, vale sempre assinalar, se forem confirmadas as pressões mencionadas pelos maiores jornais do país, na prática estão se alinhando com os setores que não querem ouvir falar em avanço no processo democrático que representaria conhecer a verdade sobre fatos ocorridos naquele período. Alinham-se com os que cometeram crimes contra a humanidade. E isso é ruim para a democracia, um verdadeiro retrocesso.
É hora dos brasileiros, sobretudo das novas gerações, conhecerem em detalhes o que foi feito nos 21 anos de ditadura que vigorou no Brasil e não deixar os responsáveis impunes, como aconteceu ao longo dos últimos 30 anos. Para tanto é indispensável que sejam abertos os arquivos da área militar existentes, para a esclarecer muitos fatos. Não dá mais colocar tudo debaixo do tapete.
O Supremo Tribunal Federal (STF) deverá decidir neste ano de 2010 uma petição da Ordem dos Advogados do Brasil que quer uma definição se os que cometeram crimes contra a humanidade podem ser ainda julgados. Para a OAB, as violações contra os direitos humanos cometidos naquele período são crimes imprescritíveis e não podem ser contemplados com a anistia de 30 anos atrás promulgada pelo último governo ditatorial sob o comando do General João Batista Figueiredo.
Enquanto persistir a cultura de pressão e do medo, que levam políticos, ministros e alguns analistas a colocar em pauta as velhas ameaças de que se o passado for esclarecido e culpados punidos, haveria riscos para o processo democrático, o Brasil seguirá em último lugar no Cone Sul em matéria de direitos humanos. E esclarecer fatos, punir quem merece, mesmo que seja moralmente, significa avanço do processo democrático.
Por estas e muitas outras, espera-se que as ameaças de Jobim e dos três comandantes militares não tenham passado de mera especulação divulgada em momento em que notícias de impacto são escassas em fim de ano.
quarta-feira, 30 de dezembro de 2009
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