A armadilha do PL-29
Carlos Lopes
O deputado Jorge Bittar divulgou mensagem congratulando-se (nenhum destinatário pode ser culpado por isso) pela aprovação do Projeto de Lei nº 29/2007, do qual foi relator até há alguns meses, na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados.
O deputado Bittar está se referindo ao substitutivo atual, do deputado Paulo Henrique Lustosa, onde os confeitos que adicionou ao projeto inicial do deputado Bornhausen foram miniaturizados, liquefeitos ou abduzidos. Não obstante neste substitutivo haver pouca coisa além da entrega da TV por assinatura ao capital estrangeiro, Bittar o saúda como se fosse o seu.
Realmente, ele tem razão. O seu substitutivo, como o atual, era apenas a entrega ao capital estrangeiro da TV por assinatura, com um rarefeito glacê para enganar o paladar dos tolos e tentativas de manter fechada a boca de alguns com promessas de dinheiro. Mas não deixa de ser pedagógico ver o deputado Bittar saudar os “canais estrangeiros [que] já começam a produzir e a exportar séries nacionais”, e, entusiasmado, concluir: “Trata-se de uma verdadeira revolução cultural e econômica”.
Nem o Bob Fields, outro revolucionário, pensou num negócio desses. Agora sabemos que a “produção nacional” para a qual o deputado queria abrir espaço era... a “produção nacional” dos canais estrangeiros. Como deixar de reconhecer que Bittar é um revolucionário de quatro costados?
Assim, ele está eufórico com a “garantia de exibição da produção do audiovisual brasileiro graças ao sistema de cotas”. No substitutivo aprovado pela CCTCI, as “cotas para a produção nacional” estão nos interstícios do mundo dos espíritos. Além de não passarem de meia hora por dia (uma invenção made in Bittar), todos os programas de “variedades” passaram a contar no seu cálculo. Em suma, aqueles negócios horríveis que a GNT transmite (ou qualquer equivalente da Luciana Gimenez na TV por assinatura) entram na cota de “produção nacional”. As “produtoras independentes”, agora, não precisam ser independentes: podem ser vinculadas às empresas de TV aberta – ou seja, a produção da Globo virou “produção independente”. E, para evitar radicalismos, uma empresa pode alegar “incapacidade técnica” para não cumprir as cotas nem de brincadeirinha...
Longe de nós a ideia de que o deputado é um cínico. Mas, então, dizer que “a partir da aprovação definitiva do PL-29, [distribuição e produção] não estarão mais misturados nem serão passíveis de se transformarem em monopólios” e ao mesmo tempo saudar “canais estrangeiros que já começam a produzir séries nacionais”, parece sugerir que o deputado está ouvindo estrelas em alguma freguesia. Ou será que essa separação entre distribuição e produção só vale quando o canal for nacional?
Seja como for, só há uma razão porque a distribuição e produção não “serão passíveis” de se transformar em monopólios - é porque já são monopólios, e o PL-29 é apenas uma tentativa de legalização do monopólio. Aliás, o interessante na mensagem do deputado é que se trata de uma confissão de que o PL-29 nunca teve outro objetivo senão legalizar a tomada da Net pela Telmex/AT&T e da TVA pela Telefónica.
Segundo Bittar, com “esforço” (sic), ele conseguiu, com a aprovação do PL-29 na CCTCI, “a democratização do acesso à TV por assinatura, através do barateamento do preço dos pacotes, com a entrada de novos participantes num mercado até agora restrito”. Se o PL-29 fosse aprovado, entrariam dois “participantes” que já estavam lá: a Telmex/AT&T e a Telefónica. Sairiam dois laranjas: a Globo, na Net, e a Abril, na TVA. Como se pode ver, uma extraordinária ampliação do mercado, em que dos quatro restaram os dois que já mandavam nele ... Mas a Telmex e a Telefónica adoram democratizar. Só há uma coisa que eles gostam mais do que democratizar: baratear os preços.
Fora isso, para democratizar ainda mais a TV por assinatura, só faltaria a Comcast ou o insigne Rupert Murdoch entrarem aqui - mais ou menos como democratizaram e baixaram os preços nos EUA, onde, como já disse alguém, Al Capone era menos nocivo, pois só vendia umas bebidas estragadas...
Por essas e outras, Bittar considera o PL-29 “um marco na história da Comunicação no Brasil, fruto de muito trabalho e de amplo diálogo com todos os setores da sociedade”.
O “diálogo com todos os setores da sociedade” foi tão amplo que os proponentes do projeto, com Bittar à testa, tentam sempre passá-lo na Câmara sem que o plenário da Casa o discuta, usando o artifício, de resto completamente anti-democrático, da aprovação em “caráter conclusivo” nas comissões. Em outras palavras, querem excluir até o conjunto dos deputados da discussão do PL-29.
Mas o PL-29, além de um furto, é realmente um fruto – da rendição, ou capitulação (ou, ainda, da colaboração) diante dos monopólios estrangeiros, especialmente das teles.
sexta-feira, 18 de dezembro de 2009
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