Elite conservador não segue o ideário de Joaquim Nabuco, o primeiro defensor da reforma agrária no Brasil
Osvaldo Russo*
Neste centenário da morte de Joaquim Nabuco, O Abolicionista, lembramos que este importante homem público, primeiro defensor da Reforma Agrária no Brasil, dizia que o fim da escravidão no Brasil era inseparável da democratização do solo rural pátrio. A elite imperial não lhe deu ouvidos: proclamou a abolição da escravatura sem distribuir terra aos escravos e sem garantir-lhes trabalho, casa ou escola. Aos novos homens e mulheres livres – afrodescendentes - restaram apenas os quilombos, os mocambos, as favelas, as prisões, a tortura, a fome e a dura e corajosa luta pela sobrevivência.
Porta-vozes dessa elite colonial, travestidos de republicanos modernos, escrevem que os sem-terra, acampados ou assentados são como baldes medievais e gente arruaceira. Concede-se até dar um pedaço de terra e pequena ajuda financeira a eles se assim o país puder se voltar inteiramente para o agro rico, com uso indiscriminado de sementes transgênicas e lucros fabulosos dos seus negócios. Nenhuma palavra sobre o latifúndio improdutivo ou agronegócio predador, como se estes fossem obra da imaginação e do radicalismo dos sem-terra e de suas organizações.
É possível avançar ainda mais no apoio à agricultura familiar e acelerar a reforma agrária, aprofundando o diálogo democrático com as organizações sindicais e os movimentos sociais, no sentido de garantir conquistas específicas do setor, respeitando-se o meio ambiente e os direitos humanos. Esse é o sentido do Programa Nacional de Direitos Humanos – PNDH-3 – aprovado pelo Presidente da República e isso não tem nada de medieval ou esquerdista: apenas resgata uma dívida social - colonial e escravista - com cinco séculos de exploração e violação de direitos dos camponeses no Brasil.
Diante da crise mundial do capital e dos resultados revelados pelo Censo Agropecuário 2006, não era de se espantar ou surpreender que um dos objetivos estratégicos do PNDH-3 fosse o fortalecimento de modelos de agricultura familiar e agroecológica, de modo a garantir que nos projetos de reforma agrária e agricultura familiar sejam incentivados os modelos de produção agroecológica e a inserção produtiva nos mercados formais; fortalecer a agricultura familiar camponesa e a pesca artesanal, com ampliação do crédito, do seguro, da assistência técnica, extensão rural e da infra-estrutura para a comercialização.
Contemporâneo com o novo século, o PNDH-3 também visa garantir pesquisa e programas voltados à agricultura familiar e pesca artesanal, com base nos princípios da agroecologia; fortalecer a legislação e a fiscalização para evitar a contaminação dos alimentos e danos à saúde e ao meio ambiente causados pelos agrotóxicos; promover o debate com as instituições de ensino superior e a sociedade civil para a implementação de cursos e realização de pesquisas tecnológicas voltados à temática sócio-ambiental, agroecologia e produção orgânica, respeitando as especificidades de cada região.
Em contraposição à política de repressão e criminalização dos movimentos sociais, um outro objetivo estratégico estabelecido pelo PNDH-3 constitui a utilização de modelos alternativos de solução de conflitos, de modo a, entre outras ações programáticas, fomentar iniciativas de mediação e conciliação, estimulando a resolução de conflitos por meios autocompositivos, voltados à maior pacificação social e menor judicialização. Recomenda ainda aos estados, ao Distrito Federal, aos municípios, ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, à Defensoria Pública e à sociedade civil o desenvolvimento e incentivo à utilização de formas e técnicas negociadas de resolução de conflitos. Isso é radicalmente democrático.
Em pleno século 21, entretanto, com o Brasil afirmando-se como nação soberana e garantidora de direitos, os novos escravocratas reagem ao PNDH-3 olhando pelo retrovisor conservador da história. Em vez de se guiarem pelo exemplo de Nabuco, buscando a universalização de direitos, querem a manutenção de desigualdades e privilégios no campo.
Os herdeiros da escravidão contrapõem-se à afirmação dos direitos humanos como política pública, estruturada em programas, serviços e benefícios. O conservadorismo se escandaliza com a rebeldia dos injustiçados, mas se cala diante de sua repressão.
(*) Ex-presidente do Incra, é coordenador do Núcleo Agrário Nacional do PT.
22-Jan-2010
sexta-feira, 22 de janeiro de 2010
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