Movimentos sociais entendem que é impossível debater a recuperação do ambiente sem constatar a influência do capitalismo
Rafael Soriano
Uma convergência de movimentos sociais de todo o planeta em torno de uma agenda comum. A perspectiva estratégica de unidade da classe trabalhadora mundial parece mais próxima quando a pauta é a própria vida e a relação com a Mãe Terra. Assume-se, assim, a constatação de que não é possível debater a preservação e a recuperação do ambiente sem constatar a influência do modo de produção capitalista, nem imaginar essa harmonização com a natureza fora do contexto de relações de poder. Economia, política e ambiente estão intimamente relacionados.
O atual modelo de “desenvolvimento” proposto pela classe dominante através de seus governos, multinacionais e grande mídia já sinalizou falência. A expectativa de que os efeitos desastrosos da busca pelo lucro e acumulação seriam irreversíveis para a natureza num prazo de quinze anos, caso não mudemos nossas ações de forma coletiva, foi contestada na mesa A Conjuntura Ambiental Hoje, realizada nesta terça-feira (26/1) em Porto Alegre, durante o Fórum Social Mundial. O membro da Coordenação Andina de Organizações Indígenas (Caoi) e do Fórum Crise Civilizatória, Roberto Espinoza., foi enfático ao dizer que já estamos no limiar de um momento sem retorno e, se não revertermos agora a situação, vamos caminhar para “o suicídio planetário”.
O termo sustentável não pode simplesmente formar uma composição “mágica” com o conceito desenvolvimento. Há incompatibilidade de idéias quando a possibilidade de nos “sustentarmos” na ilha comum que ocupamos contrasta diretamente com os interesses de desenvolvimento às cegas, que nos obriga ao consumo massivo e descarte imediato de mercadorias.
Produtos, serviços e as próprias relações humanas são mercantilizados, como o exemplo de pais que “compram” sua presença na criação dos filhos com quinquilharias. A Terra é finita, mas a ganância do Capitalismo mundial não tem fim. Em pleno século XIX, Karl Marx já anunciava como a agricultura moderna, aliada às indústrias nas cidades, o aumento da produtividade e a superexploração do rendimento do trabalho são comprados ao preço da destruição e do esgotamento da força de trabalho. “Um progresso não somente na arte de explorar o trabalhador, mas ainda na arte de esgotar a Terra”.
Ressaltando a idéia de insustentabilidade do Capital, os integrantes da Via Campesina presentes no debate, Adriana Mezadri (Movimento de Mulheres Camponesas – MMC) e Gilmar Mauro (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) convergiram na caracterização da destruição capitaneada pela burguesia sobre o planeta.
Gilmar disparou parafraseando István Mészáros, filósofo húngaro, “Quando Rosa Luxemburgo questiona 'Socialismo ou Barbárie?', [Mészáros] diz: 'Barbárie se tivermos sorte!'”. A população de bovinos no Brasil, por exemplo, já ultrapassa o patamar de 174 milhões de cabeças de gado (e 42 milhões de suínos) e, com o crescimento da produção de grãos e as mais lucrativas commodities no Centro-Oeste, há um deslocamento dos pastos para as áreas de floresta na Amazônia. Uma cadeia de destruição é gerada, agredindo recursos naturais e força de trabalho, justamente as fontes de toda riqueza.
Segundo Adriana, o monopólio de sementes e alimentos pelas “grandes irmãs” Monsanto, Bunge, Cargill, Wal-Mart, Cutrale e outras transnacionais é uma ameaça à sobrevivência no planeta e à soberania dos povos. Em alternativa ao regime de exportações e contaminações de lavouras por transgênicos, os movimentos da Via Campesina constroem a proposta da agroecologia, não somente na formulação técnica e tecnológica em seus espaços de formação militante, mas principalmente no cotidiano de acampamentos e assentamentos de Reforma Agrária que produzem sem agrotóxicos, possuem bancos de sementes e comercializam produtos saudáveis a preços baixos - desestruturando, assim, o padrão de alto custo dos bens agroecológicos nos grandes supermercados.
Outra ordem mundial (ou o fracasso do Sistema de Nações Unidas)
O marco da COP-15 (15ª Conferência das Partes da Convenção do Clima) da ONU estabeleceu novas leituras e um amplo leque de desafios à humanidade. Para Nicola Bullard, da organização internacional Focus on the Global South (Foco no Sul Global), encaramos um desafio definitivo, pois a COP-15 demonstrou a fraqueza das articulações baseadas em Governos e Estados, o que abre uma porta para os movimentos sociais. “Se não fizermos nada, são os pobres do mundo que mais sofrerão”, acrescenta.
As negociações no âmbito da ONU se restringem a acordos que mantém os negócios dos grandes capitalistas (empreiteiras, indústria bélica, grandes mídias etc.) assim como estão. Há um claro enfrentameto entre os projetos de convivência com o planeta: o Norte rico, industrial e consumidor, versus o Sul, que mantém algumas visões tradicionais de cuidar da Mãe Terra. Entretanto, mesmo no hemisfério Sul, os movimentos sociais mantêm uma disputa constante com governos como o do Brasil, que afirmam a política do agronegócio exportador nos tratados de agrocombustíveis, “energia limpa” que esgota os solos, escraviza e mata trabalhadores por exaustão no corte da cana-de-açúcar.
Uma vigilância constante e grande pressão precisam ser feitas para impedir o governo Lula de concretizar planos como os expressos na Integração da Infra-estrutura Regional da América Latina (IIRSA). Os povos andinos denunciam o programa de grandes obras como sendo o principal projeto da burguesia brasileira para a América Latina. Os índios alertam: “Não é necessário nem uma gota a mais de petróleo!” e exigem moratória às indústrias extrativistas. A IIRSA, proposta imperialista de Fernando Henrique Cardoso continuada por Lula, é um sinal de gordos lucros para Odebrecht, Petroleiras e para as indústrias de São Paulo, principais beneficiadas dos quilowatts gerados com as novas obras. Em consequência, ficam a destruição de florestas e o deslocamento de populações tradicionais, verdadeiros defensores da natureza.
À luta pela Terra e seus povos!
No cenário de falência das articulações institucionais, alguns começam a desenhar a possibilidade de um movimento em torno da “justiça climática”, que unifique as lutas em torno de um projeto totalizante da agenda econômico-político-ambiental. Hildebrando Vélez Galeano, coordenador do Programa Mundial de Mudanças Climáticas Amigos da Terra, falou à página do MST de sua visão sobre um movimento ambientalista como movimento social, transversal a todos os demais. Leia a entrevista .
Você concluiu a sua fala citando um grafite colombiano que diz “Proletariado de todo o mundo. Uni-vos! Última chamada!” É o próprio planeta quem convoca?
Hildebrando Galeano – Há uma oportunidade na crise, pela pressão por novas soluções. O perigo da [não] sobrevivência nos induz a encontrar criativamente os próximos passos, portanto a esquerda pode encontrar uma unidade. A leitura de Justiça Climática abarca várias concepções convergentes como a soberania dos povos tradicionais e a noção de que quem paga pelas consequências é quem as causou.
Você enxerga ações práticas que levem a essa convergência?
HG - Já há uma aliança em curso, por exemplo, entre a Via Campesina e o programa Amigos da Terra no tocante a sementes (crioulas e bancos de sementes), afirmação dos povos, soberania alimentar e energética e a proposição de desmantelo das multinacionais.
E como seria a massificação dessas idéias?
HG – Eu costumo chamar de “alfabetização ambiental”. As metodologias de educação crítica popular podem ser amplamente utilizadas tanto para as bases dos movimentos, como para fora de nossas organizações, atingindo toda a população.
Como você acredita que deve ser feita a proposição dessa pauta entre os movimentos para que não haja imposição da agenda de um sobre a de outro?
Eu vejo que a consciência já brota de dentro e de fora dos movimentos. Precisamos garantir a qualificação desses valores, caminhando a um patamar de hegemonia.
27 de janeiro de 2010
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário