Um "perigosa" suspeita de ser terrorista

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Menina de 6 anos no index dos EUA

Seleção argentina apoia Avós da Pça. de Mayo para o Nobel da Paz

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Seleção de Maradona é politizada

Matéria paga censurada pelo Financial Times

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Grande imprensa britânica não se comporta democraticamente

Barão de Itararé

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Pai da imprensa alternativa, um batalhador de causas justas e muito bem humorado

Crianças palestinas acorrentadas

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A foto fala por si só

Piñera y al fondo su mentor

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Será coincidência?

Manchete de jornal venezuelano em 1992

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El Nacional informa

Ministro Jobim não se dá ao respeito

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Em traje de campanha, Ministro da Defesa se exibe para a mídia

Personagens da época da Guerra Fria

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EUA patrocinou o golpe que derrubou Jango

Ingerência da CIA na Colômbia

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Uribe acabou e agora faz falta um outro de melhor aparência

Uribe no fim de linha

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Presidente colombiano é marionete dos EUA

Coca Colla boliviana

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Refrigerante competirá com a Coca-Cola na Bolívia

A importância da agroecologia

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Transgêniucos prejudicam a agroecologia

Uma publicação sintonizada no seu tempo

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New Left Review

Plataforma Ocean Guardian

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Objetivo é encontrar um mar de petróleo nas Malvinas

Cutrale a, a multinacional que tudo pode

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Alerta de Latuff

Uma visão sobre a impunidade

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O desejo de muitos brasileiros

Mais arte popular desconhecida do Haiti

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Visão de mulheres trabalhadoras haitianas

A pouco conhecida arte do Haiti

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As riquezas da cultura do Haiti

General Lazaro Cardenas y Fidel em 1959

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america latina

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a gente não se despede de mario benedetti

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um escritor imortal

boris casoy

boris casoy
boris para o lixo

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

(Brasil - Movimentos sociais) - A ofensiva da direta para criminalizar os movimentos sociais

Via Campesina apresenta documento no Fórum Social Mundial de Porto Alegre que analisa em profundidade o processo de criminalização dos movimentos sociais

Sumário
Introdução_
1. A criminalização dos movimentos sociais_08
2. Síntese da palestra do Prof. Sérgio Sauer_15
3. O Rio Grande do Sul vive um Estado de exceção_17
4. Os inimigos da Reforma Agrária_22
5. Contra uma luta legítima, a repressão_27
6. Manifesto em defesa da democracia e do MST_30
7. Contra a violência do agronegócio_34
8. Carta aberta ao presidente da CPMI_36

Introdução
A Criminalização dos Movimentos Sociais
A Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da
classe trabalhadora e dos movimentos sociais, resultantes das mobilizações
populares, nas décadas de 1970 e 80, em defesa da democratização do país
e de alguns direitos sociais que pudessem assegurar dignidade humana ao
povo brasileiro.

Por exemplo, contra direito absoluto da propriedade privada
agrícola – defendida pelo poder econômico exatamente para perpetuar a
desigualdade social - se impôs o princípio da função social da terra. Ou
seja, os direitos privados sobre a estrutura fundiária brasileira devem estar subordinados aos direitos sociais do país.

E foi exatamente por ter incorporado algumas das aspirações
populares que recebeu legitimidade política e se apresentou como a
Constituição Cidadã. A Carta Magna, resultante dos embates e interesses
contraditórios das forças políticas daquele período histórico, legitimou,
assim, os movimentos sociais como atores e autores políticos de uma
bandeira de luta que modificou, constitucionalmente, o conceito de
propriedade fundiária em nosso país.

Mas, em se tratando dos direitos da classe trabalhadora, numa
sociedade regida pelos interesses do capital, não basta assegurar os
direitos na forma de lei. É preciso criar condições e mecanismos para
que, na ação política, o direito já declarado se transforme em direito
real, em benefício da classe trabalhadora. Já a classe dominante busca
principalmente com sua influência econômica e política sobre o aparato
legislativo e jurídiciário reverter a derrota sofrida em 1988 e assegurar o
direito absoluto da propriedade privada.

É nesse contexto — de impedir que um direito já assegurado pela
Constituição Federal se transforme num direito real — é que deve ser analisada essa ofensiva da direita para criminalizar os movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária. É a força da ideologia antidemocrática que se posiciona contra a atuação política e a própria existência dos movimentos sociais.

Essa forças políticas conservadoras são incapazes de admitir que
“o grau de legitimidade que um sistema político reconhece aos grupos
sociais define o grau da democracia de uma sociedade”1 uma vez que o
ideário da democracia nunca esteve presente no horizonte da classe
dominante brasileira. O fato do desenvolvimento econômico brasileiro
ter alicerces nas demandas do mercado externo e ter promovido uma
crescente desigualdade social exigiu – com exceções de breves períodos
históricos – uma permanente repressão aos movimentos sociais. Basta
lembrar que no modelo de desenvolvimento econômico agro exportador
(1500 -1930) foram quatro séculos de trabalho escravo. E depois da Abolição
da Escravatura (1888), as condições de trabalho e de vida a que eram
submetidos os camponeses pobres vindos da Europa em muito pouco
se diferenciavam às do trabalho escravo. E, aos trabalhadores urbanos
,restavam a repressão policial, prisões, assassinatos e deportação aos seus
países de origem. Não é sem razão que durante o período da República
Oligárquica (1889-1930) a questão social foi tratada como caso de polícia.
Mesmo o período de industrialização (1930-1980) ocorreu, na
maior parte do tempo, sob regimes ditatoriais: entre a ditadura de Getúlio
Vargas (1930-1945) e do regime militar (1964-1984), houve o governo de
Gaspar Dutra (1946-1951) que se notabilizou pelas leis anti-greves, por
combater o movimento sindical autônomo e ao colocar, mais uma vez,
na ilegalidade o Partido Comunista do Brasil (PCB). É nesse cenário de
repressão aos movimentos sociais que o Brasil completou seu ciclo de
industrialização, se tornou uma das maiores potências capitalistas, mas
aumentou sua dependência externa e a desigualdade social.

(SIMONETTI FILHO, Irineu João. Movimentos Sociais: criminalização e estado de necessidade. Jan/2009)

Agora, a partir da década de 1990, uma redefinição do mundo
do trabalho e da produção capitalista impôs aos países do hemisfério
sul, com a conivência dos seus governos, a necessidade de novamente se
transformar numa plataforma de exportação dos produtos agropecuários,
florestais e os minérios. Assim, mais uma vez, nossas riquezas naturais,
o trabalho do povo brasileiro e a política econômica está voltada para
atender as demandas dos países ricos, integrar o mercado capitalista de
forma subordinada e assegurar a concentração da riqueza e da renda a
uma pequena minoria da população brasileira.

O agronegócio, sob hegemonia do capital financeiro, empresas
transnacionais e grandes proprietários rurais, domina a agricultura
brasileira e dita políticas ao governo. É a melhor síntese do papel que
o sistema capitalista relegou ao nosso país no cenário mundial. Nossas
melhores terras estão sendo destinadas para gigantescas extensões dos
monocultivos da cana de açúcar, eucaliptos e soja, além da pecuária.

Toneladas e toneladas de minérios saem todos os dias do país – com
outras riquezas minerais agregadas – a preços ínfimos e retornam como
produtos industrializados e com valor econômico agregado. Assim, ditado
pelas demandas do mercado externo e assegurado por significativos
financiamentos governamentais, o agronegócio se tornou um pólo dinâmico da economia brasileira.

Mas, tanto nas áreas de monocultivos, seja qual for, quanto nas
regiões de extração mineral, é crescente a pobreza. As pequenas comunidades
rurais são destroçadas e se comete uma verdadeira depredação ambiental
criminosa. E na medida em que essas contradições entre os interesses do
capital e da população se agudizam cresce a competição internacional, se
faz necessária uma exploração maior da mão-de-obra. Os que lucram com
o modelo do agronegócio não hesitam também em recorrer à violência
para impor seus interesses. Por isso, o relatório de 2009 da Comissão
Pastoral da Terra (CPT), sobre a violência no campo, atesta que o trabalho
escravo tem crescido mais no Sudeste, onde o agronegócio está mais bem
estruturado. Repete-se, com o agronegócio, a prática histórica de que os
pólos mais dinâmicos da acumulação capitalista, apresentados aos olhos
da população como modernos, são também os maiores promotores da
violência contra a classe trabalhadora e os movimentos sociais.

No caso específico da reforma agrária, as terras agrícolas que não
cumpriam a função social — e deveriam ser destinadas ao assentamento
de famílias de trabalhadores rurais sem terras — agora são disputadas
pelo agronegócio, que quer expandir sua área produtiva, motivado pela
voracidade insaciável e irracional do mercado internacional. Em nome
de cumprir a função social da terra, usando como único elemento a
produtividade agrícola da área, se justifica uma nova onda de concentração
fundiária em mãos de latifundiários brasileiros e de grupos estrangeiros. À
população excluída desse modelo agrícola, não resta nenhuma alternativa,
uma vez que o agronegócio ocupa pouca mão-de-obra e a economia urbana
já não absorve mais os contingentes populacionais vindos do campo. Resta
apenas a alternativa de lutar pela reforma agrária.

E ao lutar pela reforma agrária, são criminalizados, numa ação
conjunta de setores do Poder Judiciário, Poder Legislativo, mídia e o
aparato repressivo do Estado. Ao criminalizar, não basta punir as pessoas
que fazem a luta. É preciso também deslegitimar os movimentos sociais e
tirar dos trabalhadores, se possível sem violência física, o direito de serem sujeitos políticos.

O objetivo da criminalização é criar as condições legais e, se
possível, legítimas perante a sociedade para: a) impedir que a classe
trabalhadora tenha conquistas econômicas e políticas; b) restringir,
diminuir ou dificultar o acesso as políticas públicas; c) isolar e desmoralizar os movimentos sociais junto à sociedade; d) e, por fim, criar as condições legais para a repressão física aos movimentos sociais.

Os porta-vozes dessa política de criminalização são, geralmente, os parlamentares ainda associados ao latifúndio improdutivo, com respaldo em histórias de violência e de crimes cometidos contra os trabalhadores rurais. Essa bancada ruralista não hesita em levantar as bandeiras mais atrasadas, anti-sociais e de depredação ambiental. Já a bancada do agronegócio, se preserva diante dos olhos da sociedade, aparecendo sempre como mais racional, menos violenta e mais sensível aos apelos da sociedade e aos problemas ambientais. Ambas as bancadas são duas faces da mesma moeda: defendem o modelo agrícola do agronegócio e estruturam ainda mais o domínio de uma elite brasileira tão bem caracterizada por Florestan Fernandes ao defini-la como anti-social, anti-nacional e antidemocrática.

Aos movimentos sociais que fazem a luta pela reforma agrária cabe continuar se organizando e lutando para assegurar conquistas políticas e
econômicas que lhes dê condições dignas de vida. E, ao mesmo tempo, terão de qualificar o relacionamento com a sociedade para enfrentar e derrotar essa nova ofensiva da ideologia antidemocrática, que insiste em transforma esse país numa grande fazenda agroexportadora.

São Paulo, janeiro de 2010.

1. A criminalização dos movimentos sociais

Entrevista com o professor José Moreira Filho*

“Quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
aparece brandindo suas foices e ferramentas e ocupando latifúndios e
prédios públicos, imediatamente a “opinião pública” reage dizendo que
isto é uma “violência”. Mas essa mesma “opinião pública” não percebe
ou não quer perceber que por trás disto que chama de violência há uma
brutalidade muito maior: a de deixar milhares de pessoas sem terra para
plantar, sem alimento, engrossando as encostas e periferias das grandes
cidades. Tornou-se normal pensar que milhares de pessoas não tenham o
que comer, o que vestir ou onde morar”,

A afirmação é de José Carlos Moreira da Silva Filho, professor do PPG em Direito da Unisinos. Em entrevista concedida por e-mail à IHU On-Line, o pesquisador comenta a relação estabelecida entre o Poder Público e os movimentos sociais, e destaca o surgimento de ativistas que apresentam como novidade uma “afirmação positiva da diferença”,legitimando a alteridade das minorias.

José Carlos Moreira da Silva Filho é graduado em Direito, pela Universidade de Brasília (UnB), mestre, pela Universidade Federal de Santa
Catarina, com a dissertação O pluralismo jurídico, os novos movimentos
sociais e a exterioridade em Dussel, e doutor, pela Universidade Federal
do Paraná (UFPR). Atualmente, também é conselheiro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. Confira a entrevista.

Instituto Humanitas Unisinos - O senhor afirma, no artigo “Criminologia e alteridade: o problema da criminalização dos movimentos sociais no Brasil”(1), que a criminalização dos movimentos sociais é um reflexo da dificuldade em se aceitar os limites existenciais, revelando a arrogância do logos ocidental e a negação da alteridade. Quais são as raízes desse sentimento de negação dos movimentos sociais? Por que a maioria da população brasileira e os setores conservadores da sociedade negam a
alteridade das minorias?

José Carlos Moreira da Silva Filho - Há uma relação direta entre o projeto de predomínio da razão ocidental (seus modelos sociais e pretensões de totalidade e univocidade, quer da soberania nacional, da razão científica ou do modelo econômico capitalista e desenvolvimentista) e a dificuldade que temos em lidar com o diverso e o diferente, inclusive com relação ao que há de estranho em nós mesmos. É difícil admitir nossa finitude e, conseqüentemente, admitir que não temos condições de descrever e compreender tudo. Que assim como a morte limita nossos projetos e possibilidades e o nascimento nos impõe um direcionamento prévio que não é da nossa escolha, as diferentes pessoas e grupos sociais não podem caber em nossos conceitos, classificações e estereótipos (nem nós mesmos cabemos). Sempre permanece algo indecifrável e que não pode ser aprisionado na palavra.

O problema é que admitir isto pode trazer uma grande sensação de insegurança e uma humildade social e cognitiva que não cabe em nossos
milenares sonhos de domínio e grandeza. Contudo, se refletirmos bem, notaremos que a democracia visada em nossa Constituição, com a expressão
“Estado Democrático de Direito”, reside em uma inerente incerteza, em um desafio diuturnamente renovado e sem garantias de construir o espaço comum a partir das diferenças e da pluralidade que compõem a nossa sociedade.

Permanecemos, porém, apegados à idéia de que temos um projeto único, a partir do qual fica fácil e simples dizer quem é bom ou quem é mau, quem é normal ou quem é marginal.

Assim, tudo o que destoa muito do padrão socialmente imposto e regurgitado pelo senso comum midiático se apresenta como algo perigoso, pois desafia as verdades estabelecidas e denuncia as suas insuficiências.

Quando o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra aparece brandindo suas foices e ferramentas e ocupando latifúndios e prédios públicos, imediatamente a “opinião pública” reage dizendo que isto é uma “violência”. Mas essa mesma “opinião pública” não percebe ou não quer
perceber que por trás disto que chama de violência há uma brutalidade
muito maior: a de deixar milhares de pessoas sem terra para plantar, sem
alimento, engrossando as encostas e periferias das grandes cidades.

Tornou-se normal pensar que milhares de pessoas não tenham o que comer, o que vestir ou onde morar. Por quê? Porque não nos sentimos responsáveis ou não queremos nos auto-incriminar. Porque é muito mais fácil criminalizar o outro que denuncia a injustiça e a perversidade do nosso modelo social. É muito mais fácil criminalizar os negros do que reconhecer que a nossa sociedade cresceu às custas do sangue dos seus antepassados; criminalizar os indígenas e dizer que eles são uma ameaça à soberania nacional do que reconhecer que o Brasil de hoje está erguido sobre os corpos de etnias que simplesmente desapareceram da face da terra; criminalizar os “esquerdistas” e comunistas do que reconhecer que precisamos pensar em um modelo social que consiga incluir sem excluir, que leve em conta projetos e sujeitos coletivos.

O conceito de crime serve como um estigma que isola e demoniza o que no fundo diz respeito a nós mesmos. É como se pudéssemos nos sentir purificados com o extermínio daquilo que seria um lado ruim nosso e que projetamos sobre determinados grupos e pessoas.

IHU - Em que sentido os discursos estabelecidos no país ao longo dos anos contribuíram para a construção de uma imagem pejorativa e negativa dos movimentos sociais?

J.C.M.S.F. - O que podemos chamar de espaço público no Brasil vem de uma tradição privada e patrimonialista que nos remete às Casas-Grandes e às
oligarquias rurais, às relações de apadrinhamento e aos nepotismos, à idéia
de que os setores populares não devem se organizar, mas sim obedecerem às
ordens do patrão ou do doutor.

As grandes transformações estruturais da sociedade brasileira geralmente ocorreram pelo alto. Foi assim com a independência, com a república, com a industrialização. É claro que sempre houve pressões e reações populares, mas acabaram sendo estigmatizadas como baderna, sublevação ou coisa parecida.

Há uma imagem de inferioridade e incapacidade que acaba por ser introjetada pelos próprios grupos populares e que se reflete em uma desvalorização das lutas e organizações comunitárias. Aliando-se tal discurso ao grande desconhecimento e desinteresse que há sobre a realidade dos movimentos e dos setores sociais que eles representam, chegamos ao resultado da consolidação de um discurso pejorativo e negativo. Para citar um exemplo, podemos perceber que a imagem do MST, hoje, perante a sociedade, especialmente se nos fixarmos na imagem passada pelos programas de TV e grandes jornais, não é muito diferente do conceito que tinham as Ligas Camponesas no final da década de 1950 e início dos anos 1960.

Essas ligas lideradas por Francisco Julião (1), no sertão pernambucano, eram tidas por boa parte da classe média como ferozes grupos de lavradores rebeldes que ateavam fogo nos canaviais e destruíam tudo o que encontravam. Dificilmente elas eram vistas como o sinal de uma necessária alternativa à situação de opressão e penúria na qual viviam milhares de lavradores premidos entre o subemprego no campo e a miséria das favelas nas grandes cidades.

O que aconteceu com esses grupos nós já sabemos: o golpe militar os
destroçou, forçando Julião a se exilar no México. Contudo, a memória dessas
lutas é recuperada pelos movimentos de hoje. A dificuldade de superar o
estigma, porém, continua a mesma. É muito raro, por exemplo, encontrar na
TV uma leitura do MST que mostre ao telespectador as inúmeras experiências
bem-sucedidas de assentamentos cooperativos que tentam construir e manter
um modelo de propriedade coletiva, orgânica e comunitária.

Não quero dizer que o modelo proposto pelo MST é o único possível ou a melhor alternativa, entretanto temos de reconhecer que o movimento chama a atenção para diversos problemas da sociedade brasileira: a iniqüidade que campeia no meio rural brasileiro, a insuficiência de políticas públicas no campo, a não realização da reforma agrária no nosso país, ou seja, trata de questões que não são só do campo,mas também das grandes cidades e do seu caos urbano.

IHU - Como o senhor tem percebido a criminalização dos movimentos sociais no Rio Grande do Sul, especialmente no caso que envolveu o Ministério Público e o MST?

J.C.M.S.F. - Confesso que fiquei escandalizado com as recentes manifestações do Ministério Público gaúcho contra o MST. Elas ficaram claras a partir da ação civil pública apresentada pelos promotores Luís Felipe de Aguiar Tesheiner e Benhur Biancon Junior visando à desocupação de dois acampamentos do MST próximos à fazenda Coqueiros, na região norte do Estado.

Ação, aliás, que teve a liminar concedida no mesmo dia pela Vara Cível de Carazinho. Tanto nesta ação quanto no relatório produzido pelo “serviço de inteligência” do MP (e como já havia notado Marco Aurélio Weissheimer em importante artigo), é palpável a mórbida e preocupante semelhança com os Relatórios e Inquéritos Policiais Militares, verdadeiras excrescências jurídicas de triste memória, que eram moeda corrente na ditadura militar brasileira. Posso afirmar isto com todo o conhecimento de causa, pois como membro da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça me deparo, semanalmente, com essas pérolas. A paranóia anticomunista é explícita tanto na ação quanto no relatório do Conselho Superior do MP e nas entrevistas que Gilberto Thums, relator da “investigação”, vem concedendo. O MST e seus “perigosos” integrantes compostos por mulheres, crianças, idosos e lavradores “fortemente” armados com foices e outros instrumentos de trabalho do campo são apresentados como “anti-capitalistas esquerdistas” (como se isto fosse algum crime) que representam uma ameaça à sociedade e à soberania nacional.

Recomendam-se no relatório alguns absurdos inconstitucionais como a proibição das marchas do MST (que contraria o elementar direito de ir e vir), a proibição dos assentamentos próximos às fazendas consideradas passíveis de desapropriação (que ocorrem com a autorização dos proprietários), a retirada das crianças dos assentamentos, das marchas
e das escolas (ou seja, a retirada dos filhos do convívio dos seus pais e
parentes), e, por fim, a dissolução do MST (que atenta claramente contra
o direito e a liberdade de organização).

É bem verdade que esta última e apocalíptica recomendação foi retificada posteriormente pelo MP, pois certamente até eles acharam isto exagerado.

Mas o fato de que tal recomendação constou explicitamente de uma ata anterior aprovada pelo Conselho Superior do MP é sintomático. É sintomático também o fato de que a “investigação” levada a cabo pelo MP
se apoiou em uma investigação secreta conduzida pela Brigada Militar, e
na qual se realizou um verdadeiro mapeamento do MST no estado, com nomes de integrantes, localizações e outros detalhes que revelam um monitoramento ostensivo bem aos moldes dos que foram realizados pela
Ditadura Militar.

Ora, cabe à Brigada Militar (Polícia Militar do Rio Grande do Sul) realizar este tipo de “inteligência”, divulgando em programas de TV que os movimentos sociais são um caso de polícia? Creio que não pode haver maior evidência quanto à criminalização dos movimentos sociais e à mal resolvida transição democrática brasileira que ainda mantém como ocupantes de cargos públicos pessoas que mandaram ou realizaram prisões arbitrárias, torturas e ostensivo monitoramento ideológico durante o regime de exceção ocorrido no país. Importante saber também que, contrariando as conclusões da Brigada Militar e do MP, a Polícia Federal concluiu em inquérito penal promovido durante todo o ano de 2007, que não há o menor indício ou evidência de vínculos do MST com as Farc ou qualquer outro tipo de contato com organização estrangeira que vise agredir a soberania nacional.

Investigações favorecem setores privados.Fico me perguntando se a referência ao “Estado Democrático de Direito” vai acabar virando uma espécie de nova Doutrina de Segurança Nacional no país, pois esta é a justificativa agora apresentada: “é preciso defender o Estado Democrático de Direito”, afirma Gilberto Thums.

Ora, pensei que o MP tinha em vista o interesse do povo, especialmente
dos setores mais desvalidos e injustiçados. Para que serve a previsão
constitucional da função social da propriedade? No entanto, o relatório
do MP não apresenta uma avaliação sequer quanto aos problemas que vêm sendo enfrentados pelo campo gaúcho e pela massa de trabalhadores do campo explorados e sem direito a terra para plantar, cedendo cada vez mais espaço à monocultura destrutiva do agronegócio, tanto no sentido ambiental quanto no humano. No relatório, não há um autor ou uma fonte sequer favorável ao MST. As provas “científicas” mais palpáveis são fruto de reportagens de senso comum da Zero Hora, do relatório secreto da Brigada Militar e dos depoimentos de grandes proprietários.

A única fonte acadêmica referida é o sociólogo e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Zander Navarro, que, aliás, apesar de tecer severas críticas à organização interna do movimento, em recente nota pública repudiou veementemente as ações e declarações do MP gaúcho. Ocorre de fato uma verdadeira inversão de valores: os movimentos que denunciam a injustiça social são os culpados pela instituição de um regime que traz mais injustiça social.

IHU - O senhor afirma que nos processos de conflitos podem ser definidos parâmetros mínimos de legitimação. Os conflitos entre MP e MST ajudaram a definir esses novos parâmetros, por exemplo?

De alguma maneira iniciativas como a proposta pelo MP reiteram a legitimidade dos movimentos, uma vez que abre-se espaço para discussão? Ou pelo contrário, essa iniciativa apenas reforça a criminalização, uma vez que é realizada por um órgão visto como “competente” pela opinião pública?
J.C.M.S.F. - O conflito que ora se instala entre o MP e o MST ainda é muito
recente para que se possa avaliar o que dele resultará. Este conflito pontual é sinal de um conflito de interesses muito maior entre os que apóiam um modelo de sociedade que não investe na agricultura familiar e na reforma agrária, que favorece o enriquecimento de certos setores a despeito de outros, e os que procuram propor alternativas mais inclusivas a este modelo, ainda que não sejam as melhores ou as mais exitosas.

O espaço para discussão acaba acontecendo mesmo quando o intuito é sufocar este espaço, e creio que isto demonstra um avanço democrático da sociedade brasileira. Não acredito, contudo, que a intenção dos promotores que participaram desta ação orquestrada foi a de promover qualquer discussão a respeito do assunto. Muito pelo contrário, vieram cheios de certezas e apoiaram violenta ação policial militar que teve lugar nas cidades de São Gabriel e Viamão durante os meses de maio e junho.

E, é claro, não hesitaram em criminalizar o MST, portanto favorecendo notadamente tal tendência.

Notas:
(1) O artigo foi apresentado no evento Jornadas de Estudos Criminológicos
ocorrido na PUC-RS, em 2007. (Nota da IHU On-Line).

(2) Francisco Julião (1915-1999): advogado brasileiro que defendeu, a partir da década de 50, as causas dos camponeses organizados, pressionados através de subterfúgios da lei pelos senhores de terra que tentavam desarticular a organização de ligas camponesas e expulsar de suas terras os moradores do Engenho Galiléia.

Para ampliar seu campo de luta, ingressou na tribuna política e elegeu-se Deputado Estadual em Pernambuco. Foi um dos maiores ativistas pela reforma agrária no Brasil. Exilou-se no México quando teve seus direitos cassados, em 1964. Foi anistiado em 1979 e faleceu em Tepoztlán, no México. Sobre sua trajetória, confira o livro escrito pelo jornalista Vandeck Santiago, Francisco Julião: luta, paixão e morte de um agitador (Recife: Assembléia Legislativa, 2001).

* IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – Unisinos, em São Leopoldo, RS.

2. O processo de criminalização dos movimentos sociais:
Síntese da palestra do professor Sérgio Sauer da Universidade de Brasília*
1. O comportamento histórico das elites brasileiras e em todos paìses capitalistas, em relação às classes subalternas, sempre foi: a) contemporizar/ignorar os movimentos sociais, em especial quando estão surgindo.

b) Cooptar.

c) Reprimir.

2. Conflito social é diferente de violência política.

- A política é o exercício permanente de relações de disputa, em torno do
poder real na sociedade, em todas suas esferas.

- O conflito político, e entre as classes, faz parte natural do funcionamento de uma sociedade de classes.

- A violência ocorre na ausência de poder político- é o uso da força bruta
para impor a sua vontade.

- A violência não é expressão do conflito.

3. O processo de criminalização dos movimentos sociais e dos trabalhadores pelas elites.

- A violência é a agressão física. É o atentado à vida.

- A criminalização é uma tentativa política de induzir, tentar transformar
as ações resultantes do conflito em crime.

- As práticas de crime pelas elites, são no entanto “crimes”, diferente do
processo de criminalização.

- A ação de “ criminalizar” por parte das elites, visa objetivamente
deslegitimar, tirar “o direito” dos trabalhadores, sem usar a violência
física, bruta, de seu aparato policial. E com a criminalização querem
tirar a moral e o direito dos subalternos fazerem ações políticas.

- Para isso, usam todos os mecanismos que a classe dominante tem no
estado.

- Quando a CPMI da terra tentou impor o conceito de que ocupação de terra
é um crime hediondo, isso é a prova maior da tentativa de criminalizar
a ação política dos subalternos.

4. A conjuntural atual trouxe novos atores nesse processo de
tentativa de criminalização dos movimentos sociais.

a) O Ministério público federal e estaduais: foram criados pela constituinte para ajudar os mais pobres e desorganizados perante a lei, porém, hoje alguns setores entre eles, os mais identificado ideologicamente
com a classe dominante partem para a ofensiva e usam as leis, para criminalizar os movimentos.

b) O Poder Judiciário: hoje, setores do STF tem sido o orientador de toda ação do poder judiciário nas diferentes instancias e entre todos operadores do direito.

c) O Parlamento: Os setores conservadores do parlamento vem utilizando as ações legislativas para tentar “enquadrar” os trabalhadores. Isso vem acontecendo em especial a partir de 2003, quando perderam espaço no executivo. Os ruralista se articulam na luta política externa ao parlamento e depois repercutem no parlamento. O parlamento tenta ser a caixa de ressonância do que eles querem fora.

As CPIs visam por outro lado inibir os servidores públicos e os setores
do poder executivo que estiverem ao lado dos trabalhadores. Exemplo,ações contra os quilombolas, povos indígenas, sem terra, etc. As ações no TCU também tem essa motivação. São os setores reacionários da direita encrustados no legislativo protegendo seus interesses de classe.

d) Ações na CGU: há também iniciativas da classe dominante que através da controladoria do executivo vão inibindo as ações dos servidores públicos.

5. Afinal, por que aumentaram as ações de tentativa de criminalização? Por duas razões básicas: a) Porque é sinal que os movimentos sociais estão ativos, como atores políticos representativos de fato da classe trabalhadora.

b) Porque a classe dominante os teme e por isso precisa contê-los.

* Seminário promovido pelos servidores do Incra, dia 15 de abril 2009. Anotações sem revisão do autor

3. “O Rio Grande do Sul vive um Estado de exceção”

Entrevista com o advogado Leandro Scalabrin, por Miguel Enrique Stédile*

Fechamento de escolas, áreas restritas de manifestações, cancelamento de títulos eleitorais, monitoramento ilegal e classificação de “terroristas” para os movimentos sociais. Em entrevista, o advogado Leandro Scalabrin afirma que as violações do governo gaúcho retomam métodos das ditaduras militares brasileira e chilena.

Integrante da Rede Nacional de Advogados e Advogadas Populares (Renaap) e da Comissão de Direitos Humanos da OAB em Passo Fundo (RS), Scalabrin foi a primeira pessoa a denunciar a existência da ata do Ministério Público Estadual pedindo a extinção do MST e as normas da Brigada Militar para despejos, no ano passado.

Como definir a situação dos movimentos sociais e dos direitos humanos no Rio Grande do Sul?

Leandro Scalabrin - O Rio Grande do Sul pode ser considerado um Estado de Exceção porque restringe o direito de reunião, de ir e vir, de livre manifestação e de liberdade de imprensa; mantém banco de dados com informações referentes às convicções ideológicas de cidadãos; viola o sigilo das comunicações telefônicas; realiza prisões ilegais em massa,
tortura, desaparecimentos temporários e usa arbitrariamente a força contra protestos.

A Constituição Federal dispõe que só o Presidente da República poderia restringir os direitos de reunião e sigilo de comunicações, após decretar o Estado de Defesa e depois de ouvir o Conselho da República e o Conselho de Defesa Nacional. A Constituição Estadual gaúcha proíbe registros e bancos de dados com informações referentes à convicção política, filosófica ou religiosa.

O Estado de Exceção vigora no RS desde a promulgação da Instrução Operacional nº 006.1 (IO-6) de outubro de 2007 pelo Estado Maior da Brigada Militar. Esta “instrução” promulgada e aplicada pela Brigada
Militar restringe o direito de manifestação, reunião, ir e vir e de liberdade de imprensa, cria um aparato militar para monitoramento e manutenção de banco de dados com convicções ideológicas de opositores do governo e movimentos sociais; e estabelece o uso da violência contra manifestações.

O governo do RS se coloca acima da Constituição e das convenções internacionais de direitos humanos ao se auto-atribuir o poder soberano
e imperial de definir novas regras excepcionais para a sociedade gaúcha,
arbitradas por ele mesmo.

Há paralelos na história brasileira com esta situação no RS hoje?

L.S. - O paralelo mais recente para a situação do Rio Grande do Sul, onde um general comanda a Segurança Pública e os coronéis estão nas ruas dizendo o que o povo pode fazer ou não, é a ditadura civil-militar brasileira implantada com o golpe de 1º de abril de 1964 e que rompeu uma
estabilidade democrática de 19 anos. Desde a redemocratização em 1985
os militares não detinham tamanho poder em suas mãos.

De que forma esta situação articula diversas instituições do
Estado?

L.S. - De duas formas, sendo a primeira através da aceitação do que vem
ocorrendo pelo Ministério Público Estadual (MPE), que deveria exercer o controle externo sobre a polícia e não o exerce. O CDDPH (Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana) recomendou ao MPE que ingressasse com ação judicial para revogar a IO-6, mas a recomendação não foi acatada, ou seja, não se trata de mera omissão, mas de aceitação do Estado de Exceção. Isto não é gratuito: o governo estadual possui vários integrantes do Ministério Público em seu primeiro escalão e não se submeteu ao resultado da eleição para o cargo de Procurador Geral de Justiça nomeando a segunda mais votada.

A segunda forma de articulação decorre da criação de uma “força especial” dentro do Ministério Público Estadual, que atua de forma integrada com a Brigada Militar, Poder Judiciário e o Serviço de Inteligência. Esta “força especial” foi criada a partir da elaboração de um relatório e da aprovação do voto do Procurador Gilberto Thums pelo Conselho Superior do Ministério Público (CSMP), onde o caráter do maior movimento social do Estado, o dos trabalhadores sem terra, é considerado “paramilitar”. Somando-se a isto uma procuradora do Ministério Público Federal ingressou com ação alegando que a organização dos trabalhadores é uma organização terrorista.

Quais são as consequências práticas desta decisão?

L.S. - Ao considerar este movimento social como uma organização paramilitar e terrorista, o MPE e aquela procuradora federal praticamente
deram sinal verde para a repressão militar ao movimento, que é atacado
como se fosse um “inimigo” interno do Estado.

Mas não é só, a partir da deliberação do CSMP, foram propostas quatro ações civis públicas contra os principais acampamentos de sem terra no Estado que através do deferimento de medidas liminares do Poder Judiciário criaram uma “zona de restrição do direito de manifestação” numa faixa de dois quilômetros ao redor da Fazenda Southal (13.207 hectares) em São Gabriel, Fazenda Guerra em Coqueiros do Sul (8.000 hectares), Granja Nenê em Nova Santa Rita (1.246 hectares) e Fazenda Palma (3.029 hectares) em Pedro Osório.

Através de um TAC - Termo de Ajustamentode Conduta – firmado entre a Secretaria Estadual de Educação e o MPE, foram fechadas as Escolas Itinerantes localizadas nos acampamentos de sem-terra no Estado do RS, a partir do ano letivo deste ano. E por fim, uma ação civil pública dissolveu o MST na Comarca de Sarandi, onde ele surgiu 25 anos atrás, onde a decisão liminar proibiu ocupação “por integrantes do MST,de qualquer outra área localizada há menos do que 5 km de rodovia, seja a via federal, estadual ou municipal.

Todas estas ações são encaminhamento da política do MPE. Anteriormente a aprovação da política institucional pelo CSMP, já haviam sido encaminhadas ações na Comarca de Carazinho para cancelar a transferência dos títulos eleitorais de 60 sem-terra acampados em Coqueiros do Sul e impedir as marchas de sem-terra de ingressarem na comarca de Carazinho, jurisdição que abrange os Municípios de Carazinho, Almirante Tamandaré do Sul, Coqueiros do Sul e Santo Antônio do Planalto (uma área de 2.108 km2).
Trata-se, então, de uma articulação entre o Poder Executivo e o Ministério Público?

L.S. - A articulação é mais ampla: envolve os grandes proprietários rurais representados pela FARSUL, empresas multinacionais, a bancada ruralista na Assembleia Legislativa e os grandes meios de comunicação do Estado, todos unindo forças para manter a absurda concentração de terras no RS que coloca a maioria das terras na mão de muito poucos. Este é o objetivo da articulação: manter a disparidade na distribuição de terras e os privilégios dos proprietários que através delas conseguem acessar fundos
públicos.

E como tem sido o comportamento da Brigada Militar no RS?

L.S. - A Brigada Militar possui bancos de dados com informações ideológicas de partidos políticos, deputados, diretórios acadêmicos,
sindicatos e movimentos sociais. Monitora as sedes de entidades, lideranças e locais de possíveis manifestações; apreende equipamentos e
carros de som de sindicatos nas portas de fábrica.

Quando identificam pessoas que irão participar de protestos, as pessoas são impedidas de ir e vir, com a detenção dos veículos onde estão (ônibus). Se a Brigada não consegue impedir os protestos, os reprime com
uso imoderado de violência, cavalaria, cães e bombas, contra protestos
e manifestações de bancários, professores, metalúrgicos, comerciários,
estudantes, movimentos sociais.

Nestes casos a Brigada já quebrou a perna de uma professora,causou hemorragia interna num pequeno agricultor, atirou pelas costas contra dois trabalhadores sem-terra tendo matado um deles, além de causar inúmeros ferimentos em cerca de trezentos manifestantes nos últimos dois anos. Além da violência, usa algemas arbitrariamente e existem casos de desaparecimento temporário de manifestantes, caso de um estudante da UFRGS.
Ocorreram vários casos de prisão temporária em massa de duzentas, trezentas pessoas, da mesma forma como ocorria no Chile de Pinochet.

Durante os despejos a liberdade de imprensa e as prerrogativas de advogados são desrespeitadas. Além de tudo existem dois casos comprovados de tortura em caráter coletivo contra manifestantes.

O ex-ouvidor da Secretária de Segurança Pública denunciou o uso de grampos ilegais com finalidade política e existe um fato novo vinculado ao uso de armas de choque como forma de torturar manifestantes. Outro fato digno de nota foi a dissolução do Encontro Estadual do MST, com cerca de mil pessoas, na Fazenda Annoni, em 2008, exatamente 40 anos depois das forças armadas terem feito o mesmo com o congresso da UNE em Ibiúna, São Paulo.
O Governo gaúcho pode alegar que estas ações são legais?

L.S. - As prisões em massa violam a presunção de inocência prevista na
Constituição. A dissolução do congresso do MST, apreensão de carros de
som de sindicatos, ameaças públicas, violência contra passeatas, violam o
direito constitucional de livre manifestação e reunião.

O “aparato militar” criado pela Brigada, com atuação na investigação de sindicatos e partidos, na repressão e na articulação via imprensa e ministério público, viola o princípio constitucional da separação de esferas de atuação das polícias, colocado na constituição para evitar o surgimento de um novo Dops, como este que surgiu no RS.

Os grampos ilegais violam o direito de inviolabilidade das comunicações. A política de “ações rígidas”, ou seja, violentas, em manifestações, viola o Código de conduta para os encarregados da aplicação da lei, adotado pela ONU através da Resolução 34/169 de 17/12/1979; e os Princípios Básicos para utilização da força e armas de fogo, adotado pela ONU em 07/07/1990. As deliberações do CSMP violam o princípio constitucional e a garantia à sociedade de independência funcional dos Promotores.
O que é possível prever hoje sobre esta situação? A criminalização
dos movimentos sociais irá se acentuar?

L.S. - O aparato militar de repressão política poderá ser adequado ao
Estado de Direito com a mudança do comandante supremo da Brigada Militar , o Governador do Estado. Todavia, a deliberação do CSMP que caracteriza o MST como uma organização terrorista, independente da mudança de governo, continuará sendo executada nas comarcas onde promotores locais, a despeito de sua independência funcional, se submeterem à deliberação superior ilegal e encaminharem as ações ali propostas, como de fato vem ocorrendo em Carazinho, Canoas, Pedro Osório, São Gabriel, onde foram criadas as zonas de restrição de direito (onde não pode haver manifestações), Sarandi (onde o MST foi dissolvido através da proibição de acampar) e Porto Alegre (onde foi firmado o TAC que fechou as escolas).

*Entrevista publicada na revista Caros Amigos, edição de janeiro 2010.

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