Para a entidade camponesa, a real intenção do evento é incentivar o cultivo de Organismos Geneticamente Modificados (OGM).
A delegação da América do Norte da Via Campesina divulgou manifesto em que rechaça a postura da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) durante a "Conferência Técnica Internacional sobre Biotecnologias agrícolas nos países em desenvolvimento", que acontece terminou nesta quinta (4/3) em Guadalajara, no México.
Eis a íntegra do documento.
É uma agressão por parte da FAO reunir-se no México para promover os transgênicos
A Via Campesina, que reúne organizações camponesas, de agricultores familiares, de povos indígenas, de trabalhadores e trabalhadoras rurais, de mulheres, e da juventude rural de aproximadamente 70 países do mundo, representa aproximadamente 500 milhões famílias de mulheres e homens da terra. Nós produzimos a maioria dos alimentos que são consomem neste mundo, apesar de enfrentar condições cada vez mais adversas a nosso afazeres, que se opõem à livre obtenção de ganhos por parte de algumas corporações transnacionais que não se importam com impactos sobre as pessoas nem sobre a Mãe Terra.
Nós consideramos que é uma agressão, uma falta de respeito, e tomamos como afronta, que a Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), tenha decidido se reunir no México com representantes dos governos e do setor privado, sob o falso argumento de que "a biotecnologia pode beneficiar aos camponeses dos países pobres".
Eles dizem "biotecnologia," uma palavra ampla e vaga, quando todos sabemos que seu propósito real é promover os cultivos transgênicos, que nunca beneficiaram e nunca beneficiarão as famílias camponesas. É uma agressão e uma provocação ao povo mexicano e aos povos camponeses e indígenas do mundo inteiro, vir ao México promover os transgênicos, quando é precisamente no México que se deu uma forte luta para tentar parar a contaminação de nossos milhos ancestrais com o pólen transgênico, que põe em risco o a origem de um cultivo e um alimento tão importante para nossa cultura e para toda a humanidade.
Justo quando as organizações e o povo do México estão tentando defender seu milho frente à "Lei Monsanto" e às permissões de cultivo experimental de milho transgênico em campo aberto, chegar aqui com esta mensagem é deixar claro ante a sociedade que a FAO serve mais aos interesses da criminosa corporação Monsanto e do mau governo que aos interesses dos povos. Repetimos, é uma agressão chegar e tomar parte neste conflito aqui no México.
Como é possível que uma conferência internacional "em benefício dos camponeses dos países pobres" tenha credenciado um único representante da Via Campesina, e este só na qualidade de "observador"? Se é real seu desejo de beneficiar as e os camponeses, por que não convocam uma reunião com as organizações camponesas e indígenas, para saber o que nós queremos, para melhor desempenharmos nosso papel na sociedade, que é produzir alimentos e cuidar da Mãe Terra? Se o fizessem, lhes diríamos que uma coisa que não queremos é o milho transgênico! Mas não lhes interessa saber o que pensamos, não interessamos a eles, e por isto, os rejeitamos.
O mundo de hoje está em crise, uma crise financeira, alimentar, climática, energética, ambiental, política e espiritual, uma crise que é produto da cobiça inerente ao sistema capitalista. Frente a esta crise, estamos presenciando um conflito mundial entre dois modelos de agricultura e de alimentação. Este é o "modelo da morte," de monoculturas industriais com agrotóxicos e transgênicos, que alimenta mais a especulação e os automóveis - através dos agrocombustíveis - que os seres humanos, que a cada dia padecem mais de fome.
Não é nenhuma casualidade que, nos últimos anos, vejamos níveis recorde de fome - apesar de níveis recorde de colheitas – e níveis recorde de ganhos por parte das transnacionais da morte, como Monsanto, Syngenta, Cargill, ADM, Maseca e Wal-Mart. Este modelo reduz e privatiza a biodiversidade genética dos cultivos, no momento em que o mundo requer mais biodiversidade, e constitui um roubo de nosso patrimônio camponês, que são as sementes.
Nós defendemos o outro modelo de produzir alimentos, o modelo da agricultura camponesa e indígena sustentável, que conserva e aumenta a biodiversidade, e que cuida da Mãe Terra. Vários estudos científicos comprovam que este "modelo da vida" é mais produtivo que a agricultura industrial, e como parte da soberania alimentar, é perfeitamente capaz de alimentar ao mundo, com alimentos sãos e pertos, sem atentar contra a saúde humana nem o meio ambiente.
Enquanto que um modelo intensifica as diversas faces da crise, como são a mudança climática (pela liberação de gases de efeito estufa) e a especulação financeira, que junto com o monopólio de alimentos pelas corporações é causa fundamental da crise alimentar, o outro modelo oferece as soluções. A soberania alimentar baseada na agricultura camponesa sustentável tira a alimentação dos circuitos de especulação e livre comércio, e drasticamente reduz os impactos sobre o clima. Devemos expulsar as empresas transnacionais de nossa alimentação, colocá-la sob o controle dos povos.
Nossos alimentos, produzidos a partir da agricultura camponesa e indígena, com saberes ancestrais e princípios agroecológicos, são saudáveis, enquanto um número cada vez maior de estudos demonstra a multiplicidade de riscos para a saúde humana que representam os transgênicos e os agrotóxicos.
Os transgênicos não cabem em absoluto em nossa visão de agricultura. Um milho transgênico NÃO equivale a um milho crioulo, em nenhum sentido, e não importa o que diga a FAO. Os transgênicos são uma forma de privatizar a vida, e põem em risco nossas variedades nativas, que sofrem a degradação genômica ao ser contaminadas com transgênicos. Os transgênicos são, para nós, parte fundamental de uma campanha mundial contra a semente camponesa e indígena. Cada vez mais, as leis neoliberais proíbem o intercâmbio de sementes não certificadas, quando só as corporações podem certificar, e uma gama de tecnologias - desde a semente híbrida até a tecnologia "terminator" - são pensadas para que não possamos guardar nossa própria semente para o próximo plantio. As corporações, com a cumplicidade da FAO e dos maus governos, querem que dependamos totalmente delas.
Concluímos que eles não querem alimentar aos famintos, só querem alimentar sua cobiça. Como disse Gandhi, "a terra é suficiente para satisfazer as necessidades do homem, mas não sua cobiça."
Para nós, semear nosso milho crioulo e defendê-lo é um ato de resistência, um ato de rebeldia contra um sistema injusto. Mas também é um ato de esperança. Esperança porque sabemos que na soberania alimentar e na agricultura sustentável, camponesa e indígena, estão as soluções para a crise, e que estas sementes de rebeldia que semeamos são também as sementes do outro e melhor mundo que queremos.
Rechaçamos que a FAO promova os transgênicos.
Não ao milho transgênico! Fora Monsanto!
Soberania Alimentar Já!
Guadalajara, México
Data de Publicação: 1 de março de 2010
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