Belo Monte, maior projeto do PAC, não vai dinamizar o desenvolvimento da região
Fonte: Blog O Furo
Belo Monte é o projeto com maior robustez no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal. Agendado para ser erguido no rio Xingu, oeste do Pará, o projeto integra um portfólio de inúmeras hidrelétricas para a região. Complexo do Madeira, Estreito, Tapajós e tantas outras.
Belo Monte faz parte dos eixos de integração nacional, que cimenta uma lógica marcada pelo extrativismo. A peleja em torno do empreendimento mobiliza interesses econômicos e políticos opostos. E uma fortuna em recursos, onde o Estado desponta como o principal indutor da economia, através do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A geração de energia se alinha a outros eixos de integração, como o transporte multi-modal (hidrovias, ferrovias e rodovias) e comunicações. O guarda chuva de tais políticas públicas é a Iniciativa de Integração Regional Sul Americana (IIRSA). Tal política tem no Banco Mundial e outras agências multilaterais o cérebro.
No xadrez pela disputa do território e as riquezas lá existentes encontram-se grandes corporações isoladas ou organizadas em consórcio e seus lobbystas e os meios de comunicação de massa em oposição às populações consideradas tradicionais (indígenas, camponeses, extrativistas, quebradeiras de coco, quilombolas e tantos outros).
O blog Furo conversou com o economista, mestre em Planejamento pelo Núcleo de Altos Estudos Amazônicos (NAEA/UFPA), e doutorando em Sociologia pela Universidade de Paris Norte, Dion Monteiro. O economista tem sido uma espécie de porta voz do Comitê Metropolitano do Movimento Xingu Vivo Pra Sempre, em Belém.
FURO - O que é o projeto de Belo Monte?
Dion Monteiro (DM) - A UHE Belo Monte faz parte de um projeto pensado ainda no período da ditadura militar, que tem como principal objetivo atender, com energia barata, as empresas do centro-sul do país. Assim, aproximadamente 80% da energia gerada serão para atender estas empresas, e até 20%, caso a negociação realizada entre o governo federal e o governo do Pará se concretize, ficará para atender as empresas eletro-intensivas deste estado, principalmente as transnacionais VALE e ALCOA, gerando vantagens competitivas para estes grupos no cenário internacional, mas não prevendo nem 1 quilowatt (KW) para atender comunidades amazônicas que até hoje não possuem energia elétrica.
FURO - Quais os agentes que disputam o projeto?
DM: Atualmente se vislumbram dois grandes blocos na formação dos consórcios. Um já está constituído pelas companhias Andrade Gutierrez, VALE, Votorantim e Neoenergia. O outro ainda não está oficializado, mas duas empresas já estão certas, as construtoras Norberto Odebrecht e Camargo Correa. Outros interessados são a GDF Suez, que já está nas hidrelétricas do Rio Madeira, e a Eletronorte, subsidiária da Eletrobrás, que já definiu que participará da construção de Belo Monte. Falta somente fechar a forma como vai se dar essa participação. Além desses grupos diretos existem outras pessoas e grupos e interessados, principalmente vinculados a grandes empresários, e políticos profissionais de todos os níveis do poder, municipais, estadual e federal.
FURO - Que implicações para as populações locais o projeto vai provocar, caso se efetive?
DM: São diversas as implicações ou impactos. Dois chamam muita atenção, o primeiro deles refere-se à estimativa feita pelo governo federal de que aproximadamente 100 mil pessoas migrarão para a região. Principalmente para a cidade de Altamira. Alguns especialistas falam que este número será de no mínimo 150 mil pessoas. A Eletrobrás observa no EIA/RIMA que 18 mil empregos diretos serão gerados no pico da obra, durante dois anos (entre o 3º e o 4º ano), e 23 mil empregos indiretos serão obtidos, totalizando 41 mil postos de trabalho, ou seja, nas contas do próprio governo aproximadamente 60 mil pessoas que migrarão não terão emprego em nenhum momento. A obra está prevista para durar 10 anos. No final da construção a quantidade de empregos estimados é de apenas 700 diretos e 2.700 indiretos. O EIA/RIMA avalia que 32 mil migrantes deverão ficar na região após o termino da obra. A outra situação refere-se à construção da barragem principal da usina de Belo Monte, pois com esse barramento uma área de aproximadamente 100 Km da chamada Volta Grande do Xingu terá a sua vazão de água reduzida, ficando apenas em torno de 30% do que ocorre hoje. O parecer técnico nº114/2009, assinado por seis analistas ambientais do IBAMA, e um dos documentos base para a emissão da Licença Prévia foi categórico em afirmar que “o estudo sobre o hidrograma de consenso não apresenta informações que concluam sobre a manutenção da biodiversidade, a navegabilidade e as condições de vida das populações do TVR [Trecho de Vazão Reduzida]”.
FURO – Para a Amazônia, em termos de políticas públicas, o que significa a geração de energia a partir da matriz de grandes hidrelétricas?
DM: A experiência histórica na Amazônia tem mostrado que as usinas hidrelétricas não trouxeram desenvolvimento para a região. Estes projetos foram responsáveis pelo aumento da concentração urbana, da violência, do número de pessoas desempregadas e expulsas de suas terras, e o aumento nas taxas de desmatamento, e uma intensa migração. Tucuruí e Curuá-Una no Pará, Balbina no Amazonas e Samuel em Rondônia são apenas alguns exemplos deste tipo de situação. A ausência de infra-estrutura básica e os outros grandes problemas verificados nas cidades que receberam estas hidrelétricas comprovam que, nem mesmos os royalties recebidos, se mostrou um instrumento que realmente compensem os problemas advindos destes grandes projetos hidrelétricos.
FURO - Você acredita que é possível barrar o projeto?
DM: Mesmo lutando contra poderosos interesses econômicos, tanto de governos, quanto de grandes empresas nacionais e internacionais, incluindo influentes políticos profissionais, acreditamos que Belo Monte não será construída. Pois se de um lado existem todos esses grupos interessados em lucrar com a destruição do rio e da vida, de outro lado estamos juntos com centenas de organizações nacionais e internacionais. Temos renomados pesquisadores em diversas áreas do conhecimento. Temos destacar a ação do MPF, que tem acompanhado esse projeto desde 1997, e tem se posicionado firmemente em defesa dos povos do Xingu. E principalmente, temos lutado ao lado das próprias comunidades que serão afetadas: populações urbanas, ribeirinhos, quilombolas, extrativistas, pescadores, agricultores familiares e indígenas, que estão se mobilizando e já deixaram bem claro que para defender o Xingu vão até as últimas conseqüências.
FURO – O Comitê Metropolitano do Xingu Vivo tem uma proposta de desenvolvimento para a região?
DM: O Comitê entende que o resultado dos séculos de autoritarismo e exploração dos recursos naturais na Amazônia brasileira, desde o final do século XVI, início do século XVII, ou em seu período de exploração mais recente, exploração “moderna”, a partir do final dos anos 30, início dos anos 40 do século XX, tem demonstrado a insustentabilidade do atual modelo de desenvolvimento. Bem como a urgência de sua substituição por outras propostas que estejam pautadas na geração de uma energia verdadeiramente limpa. Por exemplo, a energia solar, energia eólica, e a energia a partir dos resíduos da biomassa, sem que para isso se desenvolvam monoculturas, entre outras possibilidades; a consolidação de relações concretamente sustentáveis, onde os elementos econômicos não se sobreponham aos elementos ambientais, sociais ou culturais; e finalmente, a implementação de relações sócio-ambientais pautadas em paradigmas que totalizem a harmonia entre a natureza e os seres humanos, garantindo a existência primeira do planeta, em seu conjunto. Esta deve ser a nossa busca, pois a insistência em padrões como esse expresso pela UHE Belo Monte, inevitavelmente levará a incrementação dos desastres climáticos e ambientais que já se encontram em estágio avançado, fazendo certamente com que a vida e o planeta Terra logo tenham o seu epitáfio.
Data da Publicação: 22 de março de 2010
segunda-feira, 29 de março de 2010
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