Como os meios de comunicação trataram, na época, alerta de professor sobre possiblidade de terremoto devastador em Porto Príncipe?
Beto Almeida*
Exposição apresentada na Abertura do Mutirão de Comunicação da América Latina e Caribe, em Porto Alegre, a 3 de fevereiro de 2010
No dia 29 de janeiro de 2010, o presidente do Haiti, René Preval, anunciou que a capital Porto Príncipe, seria reconstruída em outro local , menos vulnerável a terremotos, seguindo a orientação de sismólogos.
Em outubro de 2008, o geólogo Patrick Charles, professor do Instituto de Geologia de Havana, alertou em palestra no Congresso Internacional de Geologia do Caribe, realizado na República Dominicana que a população de Porto Príncipe deveria se preparar para um terrremoto de enormes proporções, chegando mesmo a afirmar que este evento sismológico era inevitável. Embora não pudesse prever exatamente a data, ele chamou atenção para o súbito crescimento dos lagos de Enriquillo e Azuel, que ficam na Ilha Espanhola, onde estão Haiti e República Dominicana, como indicadores de que uma movimentação sísmica estava em marcha. Estes estudos do geólogo cubano foram corroborados pelo geólogo estadunidense John Bellini, do Instituto Geológico dos EUA.
Como os meios de comunicação trataram, na época, o alerta do professor Patrick Charles?
Em 2007, as autoridades especializadas em edificações de Angra dos Reis haviam determinado a derrubada de várias construções no município fluminense, entre elas a Pousada Sankai, na Ilha Grande, cujo desabamento causou dezenas de mortes. Não apenas, a ordem não havia sido cumprida como o governo do Rio de Janeiro chegou a flexibilizar as normas visando facilitar novas construções nesta região de grande potencial turístico.
Também é preciso registrar que quando se deu a privatização da indústria naval brasileira, trazendo o fechamento de estaleiros naquela região, os operários demitidos e suas famílias foram habitar os morros de Angra dos Reis.
Assim, nestes, dois casos, não se pode falar em casualidade, sobre quando está clara a responsabilidade de políticas públicas e de governantes na determinação objetiva dos fatores que trouxeram estes desabamentos trágicos, sobretudo os que vitimaram as famílias mais pobres, sempre tangidas para viver à beira de precipícios e de áreas inadequadas.
Qual poderia ter sido o papel dos meios de comunicação em situações com esta de tal forma a formar uma consciência na sociedade que constranja os governantes a priorizar políticas habitacionais humanas, seguras, apropriadas? Quando surgem as tragédias, os meios deslocam suas equipes, alteram os horários de programação, dão uma cobertura ampla da catástrofe. Mas, normalmente, as iniciativas, estudos, fatos, alertas que podem evitar ou diminuir as perdas humanas das catástrofes , estas não merecem o mesmo espaço espetacular que a mídia dedica quando a catástrofe já ocorreu.
A questão que queremos colocar para reflexão aqui é: será que o jornalismo não pode ir muito mais além do que reportar, muitas vezes com claro sensacionalismo, a estas tragédias? Será que não pode ajudar a elaborar uma consciência na sociedade sobre serem muitas destas tragédias perfeitamente previsíveis e evitáveis?
Tsunami, elefantes e insensibilidade comunicativa
Quando do Tsunami, que arrasou vários países na Ásia, assim que ocorreram as movimentações das placas tectônicas no fundo do mar os aparelhos dos institutos de sismologia dos EUA os detectaram instantaneamente. Pela grande magnitude do fenômeno, foi possível prever imediatamente que ondas gigantescas se formariam e atingiram as regiões costeiras em algumas horas. A previsão foi tão clara que as embaixadas norte-americanas de todos os países da região foram imediatamente alertadas e até mesmo a Base Militar dos EUA na Ilha de Diego Garcia, avisada, determinou o reposicionamento de aviões e veículos militares para local mais seguro, visando sua proteção.
A simples narrativa resumida de todo o ocorrido permite dizer que as ondas, em alguns casos, levaram de 6 a 7 horas para atingir devastadoramente as cidades costeiras causando centenas de milhares de mortes.
Portanto, era perfeitamente possível - melhor dizer obrigatória - a formação de uma gigantes cadeia midiática internacional, de rádio e TV basicamente, com a mobilização de todos os recursos possíveis, meios de transporte, para evacuar aqueles centenas de seres humanos que poderiam estar vivos hoje!
Se fosse uma instabilidade monetária, colocando em risco lucros de grandes corporações financeiras, certamente teria havido a comunicação prioritária e instantânea de caráter amplo, internacional, para se salvar as riquezas acumuladas. Mas, no caso do Tsunami, tratava-se de salvar “apenas vidas”.....
Tanto é assim que elefantes e cachorros, guiados por seu instinto natural, perceberam a chegada das gigantescas ondas e se protegeram. Não se registraram mortes de elefantes e cachorros. Mas, os seres humanos, dotados de uma enorme capacidade tecnológica de comunicação, não a colocaram em uso, guiada por uma concepção solidária, humanista e integrativa da comunicação e não tivera capacidade de salvar seus semelhantes. Convenhamos, algumas horas são suficientes para uma grande mobilização comunicacional e de transporte para uma evacuação populacional. Muitas vidas se perderam, desnecessariamente!!! Uma outra comunicação é possível, uma comunicação solidária e humanista é rigorosamente possível agora mesmo, e em muitos casos ela está sendo construída.
Furacão e mobilização social
Em 2008 o Caribe foi castigado por um enorme furacão. Ceifou milhares de vidas, causou grande destruição material. Mas, seus efeitos catastróficos foram bem diferentes. Em Cuba, grande destruição material e um número reduzido de vidas perdidas. No Haiti e na Guatemala, por onde também passou., além da destruição material, milhares de vidas se perderam.
A diferença está na mobilização da população, por meio de suas organizações sociais, sindicatos, exércitos, e no uso solidário e preventivo dos meios de comunicação, como se faz em Cuba ante os seguidos furacões. Neste último houve o deslocamento de cerca de 1 milhão e 700 mil cubanos das ares onde o furacão passaria. Até mesmo os animais domésticos foram evacuados disciplinadamente, pois ajudam psicologicamente no comportamento de resistência das crianças e, obviamente, porque merecem um tratamento de carinho social.
Os meios de comunicação nestas circunstâncias atuam em rede nacional, transmitem as orientações da Defesa Civil, há uma perfeita unidade entre mídia, militares, militantes de sindicatos, organizações sociais, até os médicos de família são evacuados junto com as respectivas famílias, garantindo-se a continuidade nos tratamentos em curso. É o papel solidário da mídia, claro, inserida em uma política ampla de unidade nacional e popular para enfrentar a violência dos furacões.
Infelizmente, nos outros dois países citados, muitas vidas se perderam. Não se mobilizam todos os recursos e nem mesmo os meios de comunicação alteram sua grade de programação comercial para atuar como ferramenta de defesa social, o que deveria ser imperativo, obrigatório, razão de ser dos meios de comunicação social.!
Mídia e voracidade pelo lucro
Há alguns anos, quando uma enorme tempestade atingia o Rio de Janeira e causava deslizamentos, mortes de pessoas por soterramento ou carregadas pelas enxurradas, os meios de comunicação seguiam com sua programação normal, no máximo com uma reportagem ou outra sobre o fenômeno. Pessoas morriam eletrocutadas, não recebiam orientação, e a programação da TV e rádio era a comercial de sempre. Havia ocorrido, então, horas antes, o acidente aéreo que causou a morte de todos os integrantes da Banda Mamonas Assassinas. E a maior rede de comunicação do Brasil suspende então sua programação normal, porém, não para transmitir orientações para a população castigada pelo temporal que matava e destruía no Rio, o que poderia provavelmente ajudar a evitar que mais vidas se perdessem. Passa a transmitir por horas a fio o velório e o funeral da Banda de rock, cujos discos foram gravados pela Som Livre, gravadora pertencente ao Grupo Globo de Comunicação. Ficam claros os critérios que decidem até mesmo na suspensão da programação. Normalmente, não prevalecem os critérios de uma comunicação solidária. Ou seja, mesmo em situações de extrema gravidade, com risco de destruição e perdas de vida, mesmo assim, predomina uma insensibilidade social diante da necessidade imperiosa do uso solidário e humanista da mídia.
O furacão Katrina e a destruição previsível
Com boa antecedência os institutos meteorológicos dos EUA previram a inevitável chegada e a força do furacão Katrina sobre a cidade de Nova Orleans. Ainda assim, não se organizou uma evacuação em massa. Á medida que o furacão se aproximada, deu-se uma selvagem seleção das espécies socioeconômica Quem tinha carro, fugia para cidades do interior. Houve até mesmo uma autoridade estadunidense que pressionada a prestar auxílio a uma maioria de pobres e negros que mora na cidade, pronunciou um famoso “Virem-se!!!”, confessando sua criminosa irresponsabilidade. Não houve uma cadeia de rádio e TV orientando, prevendo, organizando, mobilizando a população. Nem mesmo houve a colocação de meios de transporte à disposição. Vale registrar que isto não seria difícil para um país com grandes recursos materiais e tecnológicos e que tantas vezes provou sua capacidade de gigantescos deslocamentos de tropas cruzando oceanos para alguma ação militar em defesa dos “interesses vitais dos EUA”.
Milhares de famílias pobres morreram ou perderam tudo em Nova Orleans. Não houve mobilização social. Não houve mobilização midiática solidária e humanista para salvar vidas. Como no Haiti, onde os palacetes dos ricos estão intactos após o terremoto, em Nova Orleans, os ricos, dispondo de carros e gasolina, pois esta também escasseou, puderam fugir do furacão Katrina. E quando Cuba colocou à disposição dos EUA uma brigada de solidariedade de 1200 médicos cubanos, o sinistro George W Bush rejeitou-a. Como estas notícias foram tratadas? Como deveriam ter sido tratadas? O que é verdadeiramente notícia?
Jornalismo de Integração
Embora esteja inscrito na Constituição Federal que a integração latino-americana é um dos objetivos da Nação Brasileira, os meios de comunicação atuam com uma lógica e uma linha editorial antagônica a esta idéia de cooperação, de solidariedade entre povos e países. Pratica o que chamamos de jornalismo de desintegração.
Todos os projetos visando uma integração energética, seja com a construção de gasodutos que interliguem vários países - a Petrobrás está construindo o gasoduto do sul na Argentina - ou com construção de estradas que permitam a ligação do Atlântico com o Pacífico, já em marcha, recebem tão somente uma cobertura negativista, de desconfiança, normalmente envolva numa linha editorial que pressupõe que toda iniciativa de integração certamente vai fracassar. É o jornalismo da desintegração. Sabemos quais são os poderosos interesses imperiais que operam para evitar que Brasil e Argentina estejam cada vez mais integrados e cooperativos.
Todos os governos progressistas da região, que receberam o aval do voto popular e seguem com o apoio de seus povos, recebem tratamento midiático depreciativo, configurando um esforço editorial permanente para destruir a imagem de seus líderes e destes governos.
A Bolívia, um dos países mais pobres da região, já foi declarado pela UNESCO como “Território Livre do Analfabetismo” e isto não foi noticiado com a importância e o destaque que merece. Muito mais importância é dada ao lançamento de um novo perfume em Paris.....Como a mídia da desintegração trata a Evo Morales? Como narco-presidente!!!! A OMS mundial da saúde chega até a recomendar, de modo colonialista, que se abandone a cultura tradicional dos indígenas de mascar a folha de coca. E isto é notícia. Mas, nunca se viu uma recomendação da mesma instituição para que se abandone o consumo de Coca-cola e chicletes, notoriamente maléficos à saúde, sobretudo num mundo que anda a caminho de uma epidemia de diabetes.
A Venezuela paga o mais elevado salário mínimo da América Latina, 435 dólares, também eliminou o analfabetismo e tem o mais elevado consumo per capita de energia elétrica do continente. Está nacionalizando os supermercados multinacionais que especulam com o preço de alimentos, está nacionalizando bancos e suas riquezas naturais, esta demolindo gradualmente as cadeias de dominação estrangeira sobre seu petróleo e outros minerais. Com isso, irrita profundamente as oligarquias e as transnacionais em todo o mundo, pois é um exemplo de rebeldia antiimperialista. Uma tempestade de desinformação desabou sobre a Venezuela buscando confundir e separar a Pátria de Bolívar do restante da América Latina. É o preço que a Revolução Bolivariana está pagando por desafiar os impérios e as oligarquias nativas que temem a propagação dos exemplos de justiça social e nacionalização em cada um dos países da região.
Cuba, juntamente com a Venezuela, coloca seus milhares de médicos à disposição das populações pobres de todo o mundo. Hoje, são mais de 70 mil médicos e profissionais de saúde cubanos que estão espalhados por mais de 70 países prestando solidariedade. Até no Timor Leste há hoje 400 médicos cubanos! E médicos estadunidenses, há apenas um, o da Embaixada dos EUA, que pressionou o governo timorense a não receber os médicos cubanos. Ramos-Horta, presidente do Timor, poeta e jornalista, perguntou ao embaixador estadunidense: “Quantos médicos o senhor tem aqui?”
Pois Cuba e Venezuela se deram como objetivo operar de catarata a 6 milhões de cidadãos latino-americanos pobres em 10 anos, seguindo meta da Organização Mundial de Saúde, cujas estatísticas registram que a cada ano 500 mil pessoas ficam cegas por causas perfeitamente previsíveis e evitáveis. Isto é notícia?!!! Onde está a dimensão social da comunicação???!!!
Telesur nasceu para esta outra comunicação, a da solidariedade e da integração dos povos! Não nascemos para idolatrar o Super-Man ou o Michey Mouse, para lembrar que temos nossas lendas, nossos símbolos, nossa cultura e nossos heróis. Nascemos para falar de Negrinho do Pastoreio, de Saci Perê, de Martin Hierro, de Tupamaru, de Pancho Villa, de Zapata, de José Marti, de Bolívar. E também de Jack London e seus heróis, porque também queremos divulgar e mostrar a vitalidade dos povos do sul e também do sul que há bem vivo, embora oprimido, dentro das entranhas do monstro, do Norte, dos EUA.
Queremos estender as mãos para cooperar com todas as emissoras de TV de natureza pública, comprometidas com a missão pública e solidária da comunicação. Sejam TVs comunitárias, estatais, públicas, educativas, universitárias, regionais, culturais, legislativas etc.
É urgente construir outro sistema de comunicação baseado na solidariedade e na soberania informativo-cultural de nossos povos e de nossas culturas.
É indispensável construir redes, fazer pontes, avançar na integração, divulgando, valorizando tantas iniciativas que os governos progressistas e populares já estão colocando em marcha hoje, como, por exemplo, a Universidade da Integração Latino-Americana, em Foz do Iguaçu, que se somará à Escola de Medicina Latino-Americana de Cuba, que está formando em medicina a 500 estudantes pobres e negros dos bairros do Harlem e do Brooklin dos EUA. Gratuitamente!!!! Cerca de 400 destes estudantes de medicina, haitianos que estudam em Cuba, estão agora mesmo no Haiti salvando vidas. Quantos médicos os EUA enviaram para o Haiti? Quantos soldados? Quantas metralhadoras? Quantas crianças haitianas foram raptadas para os EUA por criminosos que aproveitam-se da desgraça de um povo?
Já temos um significativo número de meios de comunicação comprometidos com a dimensão solidária e humanista da informação e da cultura. Mas, ainda estamos carentes de maior integração e coordenação entre nós. Estes são desafios a superar. Estão nascendo TVs e rádios públicas na Bolívia, no Paraguai, no Equador, na Nicarágua, na Venezuela onde nasceu a Telesur e centenas de TVs comunitárias com apoio do poder público - Argentina, Uruguai. E aqui no Brasil nasceu a TV Brasil. Mas, ainda precisamos nos integrar.
Quem sabe uma maneira de provar que poderemos sair daqui dispostos a maiores articulações, a ações construtivas para uma comunicação solidária e de integração seja nossa adesão a uma campanha que já está em marcha, intitulada “Uma Rádio Solidariedade para o Haiti”.?
Queremos enviar para o Haiti dois kits de rádios transmissores comunitários, mil radinhos de pilha e mais 4 mil pilhas para que possam promover uma comunicação sobre saúde, de orientação social, sobre pessoas desaparecidas, sobre cuidados de higiene, informações de utilidade pública Lá tudo se perdeu, menos a dignidade daquele povo heróico, primeira república libertadora de escravos das Américas!!!
(*) Membro da Junta Diretiva de Telesur
Data e local de Publicação: Porto Alegre, 3 de fevereiro de 2010
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