Professor da UFRJ critica preconceito do Ocidente em relação à cultura haitiana
Mário Augusto Jakobskind
Fonte: Redação do Sindsprev-RJ
Em palestra promovida pela Secretaria de Gênero, Raça e Etnia do Sindsprev-RJ, Alain Pascal Kaly, doutor em sociologia e professor de África da UFRJ, de nacionalidade senegalesa, também vinculado à FAO, organismo da ONU pára a Agricultura e Alimentação, destacou a importância da religião Vudu no movimento de independência do Haiti, em janeiro de 1804. Kaly, que esteve no Haiti em 2007 lembrou que só dois povos escravizados conseguiram se libertar: os hebreus do Egito e os haitianos no século XVIII.
No caso dos haitianos, como negros escravos derrotaram o colonizador francês e suas tropas napoleônicas, o Haiti sofreu uma violenta ação repressiva ao longo dos séculos por parte de potências hegemônicas, o que se prolonga até hoje e o terremoto devastador do último dia 12 de janeiro colocou o país caribenho nas manchetes dos jornais em todo o mundo.
Kaly criticou a visão preconceituosa que o Ocidente de um modo geral tem com o Haiti, quando o país caribenho possui uma classe média que fala pelo menos quatro línguas, o criole, o francês, o inglês e o espanhol, enquanto em outros povos os representantes dessa classe geralmente só falam o seu próprio idioma e o inglês.
Mas como os antigos escravos negros impuseram uma derrota humilhante às tropas francesas, a Europa e os Estados Unidos nunca perdoaram o fato. Ainda por cima, quando os escravos libertos, que se inspiraram no herói Toussant Louverture e mais tarde combateram sob a liderança de Jean Jacques Dessalines até a vitória sobre os franceses, exigiam a libertação dos escravos nos países das Américas e o fim do tráfico negreiro nos países da África. “Isso para os países colonialistas como a França, Espanha e os Estados Unidos, que mantinha, até a metade do século XIX, negros na escravidão, era uma afronta imperdoável”. Os Estados Unidos só reconheceram a independência do Haiti 60 anos depois de proclamada, enquanto a França exigiu que o Haiti pagasse indenização aos antigos senhores de escravos.
Um país promissor
Kaly lembrou ainda que o Haiti era um país promissor com uma cultura agrícola diversificada, com a predominância da cana de açúcar, que abastecia a França, e o arroz. Hoje, o Haiti tem que importar esses produtos para o consumo de sua população.
O professor de sociologia da UFRJ criticou o preconceito e a ignorância do Ocidente em relação à religião Vudu, que cultua a natureza e foi fator preponderante para a unidade dos escravos negros contra o colonizador francês. E no combate colonial ao vudu, uma religião tão solene como qualquer outra, cristã, muçulmana ou judaica, o Vaticano, segundo Kaly, teve um papel de destaque. “Os padres exigiram o fim dos símbolos do vudu, um deles as árvores. E aí então começaram os atentados contra a natureza”, assinalou.
Kaly demonstrou também como o preconceito dos que mantinham o Haiti subjugado, isso depois das duras pressões contra o país que se libertou derrotando as tropas napoleônicas, afetou a cultura do povo. Como exemplo foi proibido a criação de galinhas crioles, que no ritual haitiano tinham a função de morrerem no lugar dos doentes. “Para acabar com isso foi impedida a criação das galinhas”, observou.
Uma rica história totalmente ignorada
Toda a rica história do Haiti é simplesmente ignorada e as classes dominantes, associadas aos dominadores externos, fazem tudo para impedir a continuação dos valores culturais haitianos, que passam pela religião vudu, uma religião eminentemente ecológica.
O tempo passou e o Haiti continuou sendo sugado por países como os Estados Unidos e a França, Nos anos 50, mais precisamente em 1957, uma sanguinária ditadura se instalou no Haiti sob o comando de Papa Doc (François Duvalier) e posteriormente o filho, Baby Doc (Jean Claude), este último governando o país até 1986.
Alain Pascal Kaly destacou ainda o surgimento de uma importância liderança haitiana, a do ex-padre Jean Bertrand Aristides, vinculado a teologia de libertação, que tinha como proposta inicial tornar o Haiti um país mais justo socialmente e tentar um caminho verdadeiramente independente. Aristide foi deposto uma primeira vez depois de eleito, em 1990, retornando ao país com a ajuda dos Estados Unidos, isso depois de ceder a exigências formuladas pelo capital financeiro internacional.
A derrubada de Aristides
Em fevereiro de 2004, lembrou Kaly, os Estados Unidos e a França depuseram novamente Aristides, por entenderem que ele tinha se tornado um empecilho aos interesses econômicos dos dois países. Os dois países querem impor um padrão de desenvolvimento que marginaliza a maior parte da população, que já vivia em condições de extrema pobreza e miserabilidade antes do terremoto de 12 de janeiro.
Como a tragédia, explicou Kaly, o Haiti ficou mais exposto nos meios de comunicação, mas em essência o esquema de dominação não sofreu nenhum tipo de alteração, servindo as Forças de Paz das Nações Unidas, sob comando do Brasil, como renovador do esquema. Segundo Kaly, ao contrário do que é propalado, o Brasil cumpre um papel nefasto no país caribenho e agora o presidente Lula está querendo impor, tanto no Haiti como em países africanos, um modelo de desenvolvimento com prioridade para o cultivo do etanol. Entende o sociólogo senegalês que o “modelo brasileiro” prioriza encher os tanques dos carros nos países ricos em detrimento do consumo alimentar dos seres humanos.
Por fim, Kaly fez uma dura crítica ao presidente do Senegal, Abdoulaye Wade, que está no poder desde 2000 e ofereceu aos haitianos, majoritariamente descendentes de escravos vindos da África, retornarem à sua terra de origem, Para Kaly, “Wade, um ditador corrupto, que já roubou muito de ajuda internacional, não tem moral para fazer esse tipo de oferta. Ele pretende alertar os haitianos sobre quem é o verdadeiro Wade, que tem programado para breve uma visita ao Haiti. “Não temos força para impedir a visita, mas pelo menos vamos informar aos haitianos quem é o ditador”, enfatizou.
Data de Publicação: 11/02/2010
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