Ex-morador da cidade do Rio de Janeiro explica a importância de uma riqueza que poucos conhecem
Genserico Encarnação Júnior
Fonte: Jornalego*
Um número recente do JORNALEGO fez menção ao muro da Praia do Flamengo, no Rio de Janeiro que, antigamente, separava as pistas de rolamento do mar e, depois do aterro, as separa do Parque. Portanto o muro ainda existe por lá. Foi construído com um granito, a mais carioca de todas as pedras, conhecido como gnaisse facoidal.
O nome pode ter causado estranheza a muitos dos meus poucos leitores, mas fiz questão de citá-lo pela admiração que tenho por essas rochas. Por isso comecei a pensar em fazer um artigo a respeito, no intuito de divulgar essa maravilha da natureza carioca. Um novo encanto dessa encantadora cidade.
Vivi quase trinta anos no Rio de Janeiro. Meus filhos são cariocas. Volto sempre que posso a essa cidade. Ela, como todos sabem, é cheia de paisagens lindas, belas edificações, morros, florestas, praias paradisíacas e mulheres infernais. Esse último adjetivo, politicamente incorreto, serve tão somente de contraponto ao paradisíaco das praias. Contudo, a sensação mais recente que tive foi a descoberta dessas preciosas pedras, sem a conotação que se dá às pedras preciosas clássicas, usadas na confecção de joias. Vivi anos no Rio, voltava constantemente à cidade e jamais havia atentado para tais tesouros.
Foi meu filho que lidava com turismo, e que, estudioso da história e de outros aspectos da cidade que pudessem interessar aos visitantes, me chamou a atenção para tais pedras. Quando as descobri fiquei extasiado ao pensar que tinha convivido durante tantos anos ao lado delas e jamais me tinha apercebido de tanta beleza nem de sua primorosa aplicação em várias obras e edificações que marcam a arquitetura da cidade.
O Pão de Açúcar, a Pedra da Gávea, o Corcovado são formações de gnaisses facoidais. A rocha é encontrada em muitos outros sítios da cidade, como no maciço da Tijuca e no Morro da Viúva. Elas são frutos de um evento geológico que aconteceu há cerca de 600 milhões de anos, quando da quebra do Gondwana (as separações dos continentes americano e africano) e da ação lenta provocada pelo tempo. E pensar que os criacionistas acham que o mundo foi criado há apenas poucos milhares de anos! Insensatez!
Essa rocha não se parece com os granitos capixabas de belas estampas coloridas. Ela é mais rústica, mas de uma beleza singular e recatada. É extremamente durável, mas de fácil manuseio no que tange ao fato de se prestar a desenhos e esculturas, a obras de arte da cantaria, como as que nos foram legadas pelos portugueses.
Morava do lado do Fluminense, o clube de futebol, e nunca apreciei os gnaisses facoidais que foram usados na base de sua sede social. Tem muito mais: além dos muros do Flamengo e da Urca, as várias igrejas, os palácios governamentais (incluindo o do Catete), o Teatro Municipal, a Biblioteca Nacional, o Museu de Belas Artes, na Cinelândia; os prédios da antiga Universidade do Brasil e do Museu de Ciências da Terra, ambos na Avenida Pasteur, na Urca; os edifícios públicos ainda existentes no centro da cidade e os casarões antigos de Botafogo, com os seus portais construídos com esse gnaisse. E mais: o atual Centro Cultural do Banco do Brasil, a sede dos Correios, na Rua 13 de Março; A Casa da Moeda, na Praça da República e, possivelmente, o obelisco da Avenida Rio Branco, que talvez também tenha sido esculpido em gnaisse facoidal, retirado que foi do Morro da Viúva. No entanto, uma das “obras” mais significativas, porque simbólica, é a Pedra do Sal, no bairro da Saúde, perto do Porto, uma escadaria cortada na própria rocha. O local é tido como o nascedouro do samba na cidade, numa comunidade de quilombolas.
Um artigo e um estudo técnico, ambos do Instituto de Geociências (Igeo) da UFRJ, que pode facilmente ser acessado via Google, o levará ao conhecimento mais detalhado do assunto. Inclusive com fotos. Foi aí também que sorvi alguma informação para esta crônica. (Vide atalhos no rodapé.)
Os moradores do Rio e os visitantes devem observar, se não o fizeram até agora, tais construções. Acredito que elas só existam no Rio de Janeiro, porque a pedra é exclusividade da formação rochosa local. Para confirmar ou negar o que aqui vai dito, com a palavra geólogos e arquitetos. São patrimônio natural e arquitetônico da Cidade Maravilhosa, mais um aspecto maravilhoso que merece ser destacado.
(*) www.ecen.com/jornalego
Data de Publicação: 30.03.2010
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