Investigações indicam a participação de policiais militares em chacina na Baixada Santista Até agora, foram presos 23 PMs suspeitos de envolvimento nas mortes do litoral.
Tatiana Merlino*
Fonte: Caros Amigos
Quem vai comprar cigarro com o Chimiro sou eu, diz Marcos Paulo. – Nem vem... Eu que vou, retruca o rapaz. Depois de muita discussão, Marcos Paulo pega o capacete e monta na garupa da moto do amigo de infância: “Eu é que vou”, diz, decidido. O trajeto do Bar Paradinhas, no bairro de Catiapoã, em São Vicente, até o local onde os rapazes querem comprar cigarro, não é longo. Àquela hora da madrugada, véspera de feriado de Tiradentes, seria ainda mais rápido. Logo estariam de volta ao bar, onde outros amigos da turma o esperavam.
Erich, de 21 anos, conhecido como Chimiro pelos amigos, dirige a moto, e Marcos Paulo, de 18, vem à garupa. A moto vira na rua Pérsio de Queiroz Filho e, antes de chegar no meio da primeira quadra, duas motos vêm em direção aos rapazes. Cada uma delas com dois homens. Na esquina, um carro preto, modelo Siena, bloqueia a passagem. Ao serem abordados por um dos homens da moto, os jovens tiram os capacetes e mostram as identidades. Marcos Paulo é o primeiro a ser atingido. Ele tenta se defender. Levanta e cruza os braços para se proteger das balas. Em vão. Ele é atingido por mais de dez disparos no peito, orelha esquerda, cabeça, ombro, costas, braços e pernas. Na sequência, Erich leva três tiros: mão direita, tórax e pescoço.
Horas antes, Marcos Paulo saía de casa de bicicleta para encontrar os amigos num bar. Às 23h, falou com a mãe, Flávia, ao telefone. “Não saia hoje, não, meu filho”. “Ah, mãe, hoje é véspera de feriado”, respondeu o rapaz. Do bar, Marcos Paulo foi a uma festa com amigos e, depois, todos foram ao Paradinhas. Flávia fazia plantão na enfermagem de um hospital de Santos quando recebeu, pouco depois das 4 horas da manhã, um telefonema: “O Marcos Paulo levou um tiro”, ouviu da irmã. A enfermeira seguiu até o Centro de Referência em Emergência e Internação (Crei) de São Vicente, para onde o rapaz teria sido levado. “Ninguém deu entrada aqui com esse nome”, ouviu, chegando ao hospital.
– Como ninguém foi buscá-lo? Ele foi baleado!
– Acho que não tinha transporte, senhora.
A mãe de Marcos Paulo seguiu para o local do crime. Lá, encontrou o corpo do filho no chão, coberto por um lençol. – Pode mexer nele, mãe –, Flávia ouviu de um policial militar – Como? Eu não posso mexer. Quando é assassinato, ninguém pode chegar perto, e vocês ainda não fizeram perícia. Marcos Paulo Soares Canuto e Erich Santos da Silva estão entre as 22 pessoas que foram mortas na Baixada Santista (SP), no período entre 18 e 26 de abril, após o assassinato do soldado da Força Tática Paulo Rafael Ferreira Pires, em Vicente de Carvalho, no Guarujá, no dia 18.
Os principais suspeitos dos assassinatos são policiais militares que integrariam um grupo de extermínio. O modus operandi das ações são semelhantes às ocorridas em maio de 2006. “A relação entre a série de crimes de 2006 e os de 2010 é que ambos foram cometidos na sequência de mortes de policiais por grupos de extermínio com indícios de serem formados por policiais, com pessoas encapuzadas ocupando uma moto, acompanhadas de um carro, usando mini metralhadora e com recolhimento dos projéteis logo depois, desconfigurando a cena do crime”, acredita o defensor público do Estado Antonio Mafezzoli.
Até o fechamento da edição, 23 policiais da Baixada Santista haviam sido presos administrativamente. Eles são suspeitos de fazer parte do grupo de extermínio conhecido como “Ninjas” que matou 22 pessoas no litoral paulista. Caso haja evidências da participação desses policiais nas mortes, a Corregedoria pode pedir a prisão temporária dos acusados. Os nomes dos suspeitos não foram divulgados.
Projéteis recolhidos
A reportagem da Caros Amigos teve acesso aos Boletins de Ocorrência (BOs) de cinco vítimas de
São Vicente (quatro óbitos e um sobrevivente) e oito de Vicente de Carvalho, no Guarujá – seis mortes e duas tentativas. Na maioria deles, constava a informação de que “não foram arrecadados cartuchos ou projéteis [para perícia]” e, também, que as vítimas foram abordadas por indivíduos encapuzados. Embora os representantes das Polícias Civil e Militar tenham considerado a possibilidade da participação de policiais nos assassinatos de abril, os crimes ainda não foram esclarecidos.
(*) jornalista
Data de Publicação: 16;07.2010
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